quinta-feira, 17 de maio de 2012

Livros: um Brasil de poucos leitores

23/04/2012
Especialistas analisam o desafio de incentivar e leitura em país onde a maior parte da população prefere assistir à televisão nas horas livres


O resultado da última edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil trouxe uma triste notícia: a de que os brasileiros estão lendo menos. Muito embora o mercado editorial tenha registrado, em 2010, um crescimento de 8,3% nas vendas de livros, entre todos os entrevistados da pesquisa, realizada pelo Instituto Pró-Livro em parceria com o Ibope Inteligência, a média de livros lidos nos últimos três meses é de 1,85 (uma queda em relação à última edição, em 2007, cuja média era de 2,4). E o que mais chama a atenção no novo resultado é que a maioria dos brasileiros não lê um livro inteiro dentro desse período.
foto: Divulgação
Monteiro Lobato, escritor - Editoria: Caderno Dois - Foto: Divulgação
Monteiro Lobato aparece em primeiro lugar nas pesquisas de 2007 e 2011  como o escritor brasileiro mais admirado pelo público
Como critério, a pesquisa definiu como leitores apenas aqueles que leram, inteiro ou em partes, pelo menos um livro nos últimos três meses. Com isso, registrou-se que, em 2011, cerca 50% da população brasileira são de leitores, o que equivale a 88,2 milhõres de pessoas. Na pesquisa realizada em 2007, o percentual era de 55% (95,6 milhões de pessoas).

Outro aspecto que chamou a atenção referiu-se aos hábitos dos entrevistados: a maioria (85%) prefere assistir à televisão durante o tempo livre. A segunda atividade fevorita é escutar música ou rádio. A leitura (de jornais, revistas, livros e textos na internet) surge apenas na sétima posição, com apenas 25% dos entrevistados (uma queda expressiva em relação a 2007, quando esse número era de 35%).

Entre as principais barreiras para a leitura, muitos entrevistados afirmaram que leem muito devagar ou não tem paciência para ler. Perguntados sobre a razão para não ter lido mais nos últimos três meses falta de tempo e falta de interesse ou de gosto pela leitura lideram.

Coordenadora da Biblioteca Municipal Adelpho Poli Monjardim, de Vitória, e mestre em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Eugênia Magna Broseguini-Keys aponta como razões para o baixo índice de leitura o fracasso da escola como formadora de leitoes, o preço alto dos livros, a existência de poucos espaços de bibliotecas e os parcos investimentos em bibliotecas públicos e escolares (onde os acervos estão desatualizados e há poucos profissionais especializados).

Ela acrescenta que a corrupção no país é um grande entrave para o fomento da leitura, uma vez que o dinheiro que poderia ser aplicado para melhorar a qualidade da educação e investir em mais acesso aos livros e às bibliotecas acaba sendo desviado. “O livro, a leitura e a biblioteca estão no discurso político em geral, mas não na prática”, lamenta ela.

foto: Divulgação
Monteiro Lobato, escritor - Editoria: Caderno Dois - Foto: Divulgação
O best-seller “A Cabana”, do escritor William P. Young (acima),
aparece em segundo lugar, como livro mais marcante,
ficando atrás somente da Bíblia

História

O psicólogo e escritor Gerson Abarca remete à história do Brasil para explicar um problema que é crônico: “Fomos colonizados dentro de uma perspectiva exploratória e não de construção, e livro é elemento de construção. Tivemos ainda um longo período escravagista. Hoje, 70% dos brasileiros são analfabetos funcionais. Um cenário nada favorável à leitura”.

De acordo com ele, o maior desafio para a formação de leitores é fazer a escola entender que a melhor tarefa educacional é incentivar o estudante a ler, no mínimo, dois livros por mês, tendo como base um bom projeto pedagógico. “Assim, em nove meses de ano letivo, nossas crianças poderão atingir a média de 18 livros por ano, como na França.”

Gerson lamenta, contudo, o fato de professores preferirem passar tarefas de disciplinas que não têm ajudado crianças e adolescentes tomar gosto pela leitura. “Lógico que teríamos de ter bibliotecas dinâmicas. O governo está comprando muito livro para as escolas, que estão mofando. Por isso aumentou a produção e venda de livros, por que o governo comprou mais, e não por que as pessoas se interessaram pelos livros. Precisamos levar a leitura aos pais e aos professores, que leem muito pouco. Professor bom é aquele que já leu todos os livros que indica aos alunos. Tenho a impressão que estamos brincando de fazer educação neste país.”

Segundo Eugênia, para conseguir mudar o panorama atual, é preciso investir na democratização do acesso ao livro, à leitura e à biblioteca, bem como realizar continuamente ações que favoreçam a inclusão de não leitores por meio de atividades que são realizadas nas bibliotecas públicas, a fim de promover ações permanentes para que a leitura faça parte do cotidiano das pessoas.

A pesquisadora e doutoranda em Linguagem e Educação pela USP Gabriela Rodella reforça a importância do papel da escola na formação dos leitores e, por isso mesmo, é fundamental investir com rigor na formação inicial dos professores e em cursos de formação continuada bem estruturados e sérios, que tenham como objetivo levar à reflexão, e não simplesmente “treinar” o professor. “Tornar a carreira docente atrativa é fundamental para a imagem da leitura e do estudo em nossa sociedade”, acrescenta.

Políticas

Quanto às políticas públicas e programas de fomento à leitura, o Brasil parece manter uma boa imagem no exterior. Ao menos foi a impressão que passou o vice-ministro de Educação da Colômbia, Mauricio Perfetti, na última quinta-feira, dia 19, durante a 25ª Feira Internacional do Livro de Bogotá. No encontro, ele afirmou que, ao se falar de inovação, um modelo a imitar é do Brasil. “A experiência de levar escritores às aulas é excepcional, e o tema das bibliotecas para setores rurais nos parece essencial para fomentar igualdade de oportunidades”, apontou.

Gabriela Rodella observa que as políticas de distribuição de livros didáticos e de literatura desenvolvidas pelo Ministério da Educação são extremamente bem-sucedidas, o problema, analisa, é que não basta distribuir livros: é preciso desenvolver as condições necessárias para que eles sejam efetivamente lidos. Ou seja: as condições para que práticas de leitura diversas possam ser desenvolvidas por professores e alunos.

“Em várias escolas públicas do Estado de São Paulo, por exemplo, os livros ainda são mantidos em salas fechadas, pois não há profissionais que possam trabalhar na organização e na administração de bibliotecas, consideradas, muitas vezes, ‘coisa’ dos professores de português. Dessa forma, torna-se muito difícil que os livros ocupem um espaço importante na vida dos estudantes e, em última análise, da população em geral.”

Entre as políticas públicas, Eugênia Broseguini Broseguini cita as ações do Ministério da Educação (MEC), que vem se ocupando apenas da distribuição de acervos por meio do Programa Nacional Biblioteca na Escola. “Se a maioria das escolas que recebem o acervo não possui biblioteca nem bibliotecários, como está sendo dinamizado este acervo?”, questiona, ressaltando que a ausência de bibliotecas escolares ainda é um dos maiores problemas no sistema educacional.

“De outro lado, temos a Lei 12.244, que dispõe sobre a universalização das bibliotecas nas instituições de ensino do país até 2020. Se consideramos urgente a democratização do acesso, deveríamos ter priorizado a implantação em menor tempo. Isso me preocupa, pois deixou  brecha para os estados e municípios implantarem à revelia quando o prazo se esgotar.”

As críticas de Gerson Abarca às políticas de fomento à leitura são mais contundentes. Para ele, essas ações não existem. Para ele, o Brasil entrou em uma bolha de crescimento econômico e criou uma ilusão no povo. “Como haverá livros, se os escritores não possuem estímulo para escrever e publicar. Um governo que permite a produção de livros na China, para serem vendidos a preço de banana no Brasil, só vai dificultar a vida dos editores e da indústria do livro no país. E, pior, só vende livro ao governo quem for ‘amigo do rei’ ou tiver um bom trânsito de influências políticas. No dia em que entendermos que estamos subdesenvolvidos e reconhecermos ainda que nosso povo não foi sequer bem alfabetizado, aí sim poderemos pensar a partir da realidade e não da fantasia.”

Números
50% - A leitura está presente na vida de apenas metade da população (88,2 milhões de pessoas, em 2011). Houve uma queda de 5%, em relação a 2007, quando o país tinha 95,6 milhões de leitores.

57% - As mulheres são maioria entre o público considerado leitor pela pesquisa. Apenas 43% dos homens entrevistados são leitores. Entre os entrevistados, 25% gosta muito de ler, 37% gosta um pouco e 30% não gosta de ler.

85% - Esse é o percentual dos entrevistados pela pesquisa que prefere assistir à televisão. Em 2007, esse número era de 77%. A leitura (de jornais, revistas, livros e textos na internet) vem em sétimo lugar e registrou uma queda de 26%, em 2007, para 28% no ano passado.

64% - A maior parte dos entrevistados afirma que a leitura é uma “fonte de conhecimento para a vida”. Apenas 18% consideram ler uma atividade prazerosa, enquanto 12% dizem que ocupa muito tempo.

Bíblia
Na pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, a Bíblia aparece em primeiro lugar na lista dos livros preferidos. Houve, no entanto, uma redução de 45% para 42% de leitores, de 2007 para 2011. Os livros didáticos vêm em segundo lugar, com 32%, e romances ocupam a terceira posição, com 31%.

Análise
O maior desafio é formar professores
A leitura é uma prática cultural. Sendo assim, é preciso aprendê-la. Não se trata de algo que se desenvolve “naturalmente”. Como grande parte de nossa população não desenvolve a prática da leitura de livros no começo de sua vida – e não se trata apenas de acesso ao objeto livro –, as novas gerações continuam crescendo sem ler. O maior desafio é, certamente, a formação de professores. Sem acesso à prática da leitura em casa, a maioria dos alunos da rede pública depende do engajamento de seus professores para que se formem leitores. A questão, no entanto, é que muitas vezes os próprios professores são leitores, digamos, rarefeitos. Eles não desenvolvem práticas de leitura que vão além das que necessitam para exercer a profissão de docente, o que tem consequências negativas na formação dos estudantes.

Gabriela Rodella, pesquisadora e doutoranda em Linguagem e Educação pela USP
Fonte: Gazeta online

Nenhum comentário:

Postar um comentário