sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Ler traz prazer e, quem diria, saúde!

Todo fim de dia (ou a hora que você quiser!) pegar um livro e se aventurar em suas páginas pode ser muito prazeroso. Um novo mundo se abre à sua frente e você esquece tudo ao redor. Prazer pode ser a palavra certa para expressar o que, quem gosta de ler um bom livro sente ao ler Harry Potter  uma de suas obras preferidas.



Mas saiba que além disso, a leitura pode melhorar sua saúde! Pois é, mas não é lendo um livro que você vai se curar de uma gripe, por exemplo (a menos que o livro seja sobre isso, mas isso não vem ao caso). Enfim, a leitura ajuda — e muito — seu cérebro, servindo para ele como se fosse uma musculação, reduzindo o estresse e estimulando a memória.

  No processo de leitura exige-se do cérebro o conhecimento do sistemas de linguagem, obrigando o leitor a compreender e interpretar o texto. À partir do momento que você está lendo, seu cérebro está interpretando os códigos, que são as letras e formando as palavras, ao mesmo tempo adicionando-as à um conceito para que você compreenda o texto como um todo. É uma musculação e tanto, hein!

É por isso que isso ajuda a manter a funcionalidade intelectual, mantendo a mente ativa e prevenindo déficits de memória e declínios das funções cognitivas como a atenção, percepção, memória, raciocínio, juízo, imaginação, pensamento e linguagem.
O ato da leitura envolve quatro processadores:
  1. O processador ortográfico: diz respeito a maneira de escrever as palavras.
  2. O processador de palavras: refere-se ao sentido de uma palavra.
  3. O processador fonológico: refere-se à unidade menor que forma uma sílaba ou uma palavra.
  4. O processador de contexto: que se refere à sintaxe, ao papel de cada palavra numa frase, formando uma estrutura com um significado maior que a palavra.
Os leitores mais hábeis, que leem com frequencia não necessitam mais do processador fonológico para entender o significado de uma palavra escrita. Já quem lê uma vez na vida outra na morte, apresentam dificuldades nos processadores visuais e/ou auditivos, distorcendo, invertendo trocando e até pulando palavras, que são as chamadas dislexias.

Agora além de cultura, prazer e informação, ao ler, você vai saber que ainda por cima está exercitando seu cérebro e evitando o estresse e a falta de memória, por exemplo! Lendo este post você já exercitou seu cérebro, que tal ler outros aqui do blog? Seu cérebro vai ficar tinindo! Haha

Fonte: Blog do Linho     Imagens: Internet

domingo, 18 de novembro de 2012

8 Motivos para apostar nos livros


Para gostar de ler: Ler para estar no mundo

 Publicado em Agosto/2012

Como pessoas que tiveram pouco acesso ao ensino formal se tornaram, pelos mais improváveis caminhos, leitores dedicados

Marcio Renato dos Santos

O olhar de José Carlos Fernandes capta mais sinais entre o céu e a terra do que podem supor analistas e estatísticos. O jornalista da Gazeta do Povo costuma encontrar sutilezas em linhas e entrelinhas, e saiu da leitura da pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil”, publicada pelo Instituto Pró-Livro em 2008, com mais inquietações do que certezas. Naquele levantamento, o não leitor representava nada menos que 48% de todo o estudo — ou 77 milhões de brasileiros. Na aferição mais recente, divulgada neste ano, o número salta para 50%, o que representa 88 milhões de pessoas.

Os números têm potencial para provocar insônia contínua — afinal, sinalizam que quase metade da população de 190 milhões de brasileiros são não leitores.

A inquietação, no caso de Fernandes, se traduziu em pesquisa, entrevistas, análises e leitura. Entre 2007 e 2011, ele acompanhou 12 pessoas que, pelos mais improváveis caminhos, se tornaram leitores. A empreitada tem a finalidade de dar substância ao projeto de doutorado que ele vai defender, em breve, na Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Os 12 leitores — da pesquisa de Fernandes — desafiam as estatísticas: deixaram a escola e, apesar disso, seguiram com a leitura. “Ler, para eles, é uma forma de tornar presente aquele prazer de descoberta do período escolar que, em alguma medida, lhes foi tirado”, diz o doutorando, que procurou encontrar as razões que levaram essas pessoas às páginas de livros, jornais e revistas.

Inevitável metamorfose

Quando ainda usava calça curta, Aldo de Brito Lima foi morar na Casa do Pequeno Jornaleiro, em Curitiba. Durante o dia, vendia revistas e jornais. À noite, estudava e, nos intervalos, passava os olhos nos produtos que o ajudavam a fazer um pé-de-meia.
Desde então, lê de tudo. Essa liberdade para fruir de Paulo Coelho a Dostoiévski sem culpa, nem medo de patrulha, chamou a atenção do jornalista e pesquisador da Gazeta do Povo. “Esses leitores, como Lima e os outros que acompanhei, leem de tudo e não se enquadram na máxima, segundo a qual o sujeito que lê vai 'melhorando' e se torna mais seleto. Eles não. Leem sem escrúpulos”, analisa Fernandes.

Após deixar a Casa do Pequeno Jornaleiro, quando tinha 18 anos, Lima trabalhou, entre outras atividades, comercializando seguros e imóveis — e, em meio ao cotidiano e todos inesperados, sempre leu. “A leitura é uma maneira de viajar, sair da realidade”, comenta o catarinense de Canoinhas, hoje com 76 anos. Ele, inclusive, diz que, a partir do que encontrou nas páginas de muitos livros, conseguiu fazer uma interpretação do próprio percurso: “Fui ou acabei me tornando um tímido. E acredito que, devido a essa característica, dessa vocação para o mundo interior, me transformei em leitor.”

Presente que abre o futuro


Aldo de Brito Lima
A leitura é uma maneira de viajar,
sair da realidade
”,
Aldo de Brito Lima, aposentado.
  
As estradas que levam ao universo da leitura são as mais variadas, e receber livros de presente pode funcionar como passaporte para entrar nesse admirável mundo de letras, enredos e símbolos. O italiano radicado em Curitiba , hoje com 76 anos, foi presenteado, ainda ragazzo, com romances e outras brochuras, e se tornou leitor — diferentemente dos 87% entrevistados pelo Instituto Pró-Livro, na pesquisa divulgada em 2012, que são não leitores e nunca receberam um livro de presente. Coincidência? José Carlos Fernandes não considera mero acaso.

O jornalista avalia que, no caso de Busani e dos outros 11 leitores que ele acompanhou, o fato de ganhar um livro pode ser o que fez a diferença entre, de fato, ler ou não ler. “Para eles, o livro, em algum momento, veio como presente, representando algo com valor, que inclusive pode e deve ser guardado embaixo do colchão.”

A leitura, e o Brasil, estavam no caminho de Busani. O pai dele veio fazer a América, ou melhor, implantar uma fábrica de máquinas de costura em Jundiaí, no interior de São Paulo. Aos 16 anos, ele tinha apego à namorada, ao cachorro e aos amigos daquele contexto, na Itália. Mas sofreu apenas na partida, e se adaptou desde o primeiro dia — lá se vão 60 anos de Brasil.

Aprendeu o português a partir de sua curiosidade — da mesma maneira que descobriu o idioma italiano perguntado, principalmente para a sua mãe, Ida, o que estava escrito nas placas de sinalização. O ziguezague da vida fez com que o técnico industrial, com formação equivalente ao atual ensino médio, viesse para a capital paranaense, onde foi admitido em uma empresa e passou por diversos cargos até ser nomeado gerente de planejamento. Ele acredita que, entre outros fatores, sua experiência de leitor o auxiliou, e muito, no percurso. “A leitura me deu tudo o que consegui na vida. O que me preparou para eu ocupar os postos nos quais estive foi o volume de livros que li. Aprendi muito lendo, inclusive com as obras de ficção”, afirma Busani.

Ilumina até a madrugada

Durante as aulas que leciona para os alunos do curso de Jornalismo, na Universidade Federal do Paraná (UFPR) e na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), Fernandes costuma citar Terezina Nicola Hubie como exemplo de alguém que se potencializou para a vida por meio da leitura. “Um leitor tende a desenvolver uma relação rica com a realidade, passando a emitir opiniões e se desviando, por exemplo, da ideia-força do fatalismo e da alienação”, teoriza o jornalista.

De fato, a paranaense nascida em Porto Amazonas nunca se contentou apenas com o que estava pronto diante de seu campo de visão, como o trecho navegável do Rio Iguaçu e a mata de Araucaria angustifolia. No Grupo Escolar Rocha Pombo, onde estudou até os 13 anos, ela começou a perceber que os livros podem viabilizar algo parecido com super-poderes. A professora de geografia falava sobre a escravidão no Brasil, citava Gabriel García Márquez e comentava clássicos do cinema norte-americano, como o longa-metragem Casablanca. Terezinha também sentia vontade de conhecer aqueles assuntos, e falar a respeito de tudo aquilo. “Aquela professora estudava, lia, procurava saber. Segui o exemplo”, conta. Nascia, naquele momento, uma leitora.

A roda-viva gira. Até os 19 anos, ela — após deixar a escola — trabalha em uma loja e depois no escritório de uma serraria. Então, casa com Arthur Hubie e, a partir de 1952, atua na área do turismo. São 60 anos na capital paranaense e, apesar de contratempos, encontra tempo para ler. “A leitura é a melhor hora do dia”, confessa.

A leitora de 81 anos diz reparar que as crianças deveriam ler mais, incluindo os seus dez netos. “Quem lê, percebe tudo com mais clareza e não se deixa enganar facilmente”, afirma a mulher que acompanha o Programa do Jô, lê jornais, livros de Fernando Sabino e Carlos Drummond de Andrade e tem repertório para comentar a crise europeia, a pertinência da lanchonete popular do Aeroporto Afonso Pena e a sina do Coritiba em ser vice-campeão.

Fernandes faz os últimos ajustes no texto da tese e, um tanto aliviado, diz que cumpriu o seu objetivo inicial, de apresentar o perfil de 12 leitores — conteúdo que pode dar pistas de como é possível, apesar de pedras no caminho, se tornar leitor. “Sem o aval da escola, eles prosseguiram na leitura, têm vida pública, são reconhecidos e respeitados em seus grupos, e agem sobre o mundo”, reflete o jornalista e futuro doutor.

Ler, verbalizar e agir

Leia trecho da tese de doutorado sobre leitura e leitores que o jornalista José Carlos Fernandes vai defender na Universidade Federal do Paraná

A primeira marca está nas vias da memória: os 12 leitores se lembram, como se fosse um capítulo de uma saga, o momento em que a escola lhes foi tirada, apontando a cada um deles um destino diferente. O lugar que, como diziam os pais e parentes, lhes garantiria o futuro, não fazia mais parte da vida deles. Teriam de trabalhar ou cuidar de marido e de filhos ou mesmo dos parentes envelhecidos. Nesse momento, foi como se desaparecessem na multidão dos brasileiros que têm suas vidas demarcadas pelas obrigações com trabalho.

Como previram sociólogos aqui estudados — Simmel, Park e Elias —, no entanto, nem todos se entregam às engrenagens da sociedade industrial, fazendo vingar uma identidade própria em meio às imposições do concreto e do óleo diesel. É quando aparece a segunda marca. Apartadas da escola, essas pessoas aqui acompanhadas — o que pode se estender por analogia a quem quer mais que eles representam — ficaram órfãos do melhor indicativo que poderia haver para se tornarem leitores, profissionais e cidadãos, mas não perderam de vista as experiências gratificantes vivenciadas com os livros. Ler se tornou uma distinção em meio à realidade na qual foram lançados. A escola, de alguma maneira, permaneceu neles, ainda que não mais com eles.

Vingaram como leitores, e a seu modo. São únicos — pouco hierárquicos, instintivos, nada preconceituosos, versáteis e falantes. Falar é parte de sua condição de leitor, reafirmando a máxima de Bachelard de que “o sujeito falante é todo o sujeito”, o que indica que realizam a vida no espírito prevista pela prática dos livros. O ler e o verbalizar fazem parte de sua estratégia de retomada de um lugar no mundo — um mundo que, sem o auxílio da escola, lhes chegava como um desígnio pesado e sem cor. 

Fonte: Cândido - Jornal da Biblioteca Pública do Paraná

As muitas águas da leitura

Publicado em Outubro/2012


Marta Morais da Costa
é especialista em leitura, professora da Universidade Federal do Paraná, integrante da Cátedra Unesco de Leitura da PUC-Rio e autora, entre outros, do livro Mapas do mundo. Vive em Curitiba (PR).

Já tratei de leitura em muitos textos, já falei para algumas plateias, já tentei esclarecer algumas conclusões que o trabalho com a formação de leitores acumulou em meu currículo. Posso afirmar, com segurança, que obtive alguns resultados positivos no convencimento da importância da leitura para as pessoas e para o grupo social em que atuam. Em outras ocasiões, a resposta não foi tão estimulante assim.

Professores me consideraram idealista demais, crianças me consideraram uma avó “se achante”, colegas de universidades não hesitaram em me denominar “especialista em leitura” — a mim, que sei que nada sei, verdade aprendida com o filósofo Sócrates —, avaliadores de meus livros julgaram-nos imperfeitos, equipes de editoras acreditam que posso prestar alguma consultoria de valor no quesito leitura. Como insegurança não é a mais perfeita de minhas qualidades pessoais, considero que julgamentos tão divergentes não me causaram maiores traumas profissionais.

Em todo caso, como não desejo, de forma alguma, motivar uma avaliação negativa de meu texto nos leitores deste espaço, quero começar declarando algumas posições ético-político-científicas a respeito da leitura. Como muitas pessoas de valor já o disseram — e com elas eu concordo — a leitura vai além da alfabetização, da capacidade de identificar palavras ou frases. A leitura tem a ver com interpretação, com a compreensão de frases e textos organizados (habilidade indispensável) e a compreensão das entrelinhas, presentes em qualquer texto, e que requerem a participação ativa do leitor.

As palavras dançam diferentes ritmos de acordo com os diferentes pares das contradanças textuais. O significado tem o dom de alterar-se dependendo dos contextos em que palavras e frases se situam. E quem vai buscar uma determinada coerência nessa flutuação semântica é o leitor. Portanto, ler não é reconhecer o código linguístico; ler é compreender contextos textuais, é escolher, entre os sentidos possíveis de um texto, aquele que para o leitor apresenta alguma coerência. Por extensão, interpretar não é estabelecer um sentido único, ou mais nocivo ainda, reproduzir o pensamento expresso pela maioria dos leitores.

Também esclareço que leitura rima perfeitamente com literatura; mas, para mim, acompanhando Drummond, a rima não é a solução. Todos nós lemos textos dos mais diferentes gêneros diariamente em nossa vida social e individual (cartazes, folhetos, embalagens, a diversidade textual dos jornais e revistas, as mensagens nas redes sociais, páginas de livros os mais variados e muitos outros). Também não nos restringimos a lidar com a linguagem exclusivamente verbal e somos envolvidos pelo visual, pelo auditivo, por suas combinações e diferentes suportes (computador, cinema, televisão). Enfim, quando eu tratar de leitura, não estou me restringindo aos livros de literatura. Essa é uma confusão frequente: pergunte a alguém se ele gosta de ler e poderá ouvir como resposta: “Gosto, sim, mas não tenho tempo — ou interesse — para ler romance”. Pergunte a outra pessoa que livros leu recentemente e ela pensará de imediato que você quer saber sobre a leitura da literatura. E pode, numa caricatura, responder: “Não perco meu tempo com histórias que não existem — ou não servem para nada”. Vou falar de leitura em sentido amplo, mas paradoxalmente preciso saber ler textos. Sem distinção de gêneros textuais.

Fui muitas vezes surpreendida — e interrompida — quando lia em filas ou salas de espera por pessoas bem intencionadas que entendiam que, se eu estava lendo um livro, é porque estava com problemas, entre eles o da solidão. Para me fazer companhia e me tirar da depressão, elas se propunham a interromper minha leitura sedutora. Como provavelmente não eram leitoras, elas não entendiam que ler não é um ato solitário ou fruto da solidão: o leitor está sempre acompanhado, não apenas do autor do texto que lê, mas de todos os leitores desse mesmo texto que o antecederam; também de todos os escritores que foram lidos para que o autor do texto presente pudesse escrever o que escreveu. Em suma, a cadeia de autores e leitores remonta a passados remotos e forma uma “trança de gente”, bela imagem criada por Ana Maria Machado. Antes de tudo, ler é uma ação solidária de integração na história da cultura. Ao ler, estou só fisicamente; mas mental, imaginária e intelectualmente, estou bem (ou mal) acompanhado. Por isso, antes de interromper, com boas intenções, a leitura de alguém embevecido, pense que pode estar cortando — temporariamente — o fio humano que tece a história da cultura.

Esclarecidas essas três linhas de compreensão, a saber, leitura não é ação exclusiva para a literatura; ler não é apenas reproduzir um texto, mas interpretá-lo, compreendê-lo; ler, é compartilhar e conviver com a história e a cultura, vou verificar como esses princípios podem orientar a formação de leitores. Convém lembrar que para desenvolver um bom trabalho de criação e formação de leitores é preciso acreditar que a leitura representa um requisito indispensável e irrecusável para o crescimento pessoal e profissional e para o desenvolvimento de um país em todos os setores de atuação da sociedade que lhe dá existência.

A necessidade de mediadores

Na origem da história de cada leitor está um mediador. Seja um parente (pais, avós, tios, irmãos), um amigo, um professor, um religioso, um jornalista, em qualquer espécie de interação social — conversas, aulas, saraus, pregações, filmes, mídia impressa. Pense comigo, leitor, nas possíveis situações em que pode nascer um leitor. A audição de um disquinho de histórias infantis, objeto do passado. Um livro eletrônico infantil ou de pano ou de plástico, objetos do presente. Uma história sussurrada no momento da chegada do sono, na voz carinhosa de quem se quer bem. A fala do amigo que se admira ou do grupo em que se busca a inclusão. Um comentário em roda de conversa sobre assunto científico ou curiosidade histórica. Em todos eles, o leitor pode estar ali, ainda desconhecido para ele mesmo, mas já apto a absorver o encantamento e a informação, a considerá-los valiosos. É o passo inicial para viver o desejo de reencontrá-los nos mais diversos objetos de leitura. Nem sempre o mediador (amigos, pais, professores...) precisa ter qualificação pedagógica ou cientifica, mas é imprescindível que ele desempenhe sua função com entusiasmo de quem foi afetado pelo assunto, pelo livro, pelo texto.

Imagine que uma pessoa deseja convencer um amigo a assistir a um filme e para tanto faz um relato aos tropeços, sem emoção, monótono. Mesmo um filme bom não resiste a uma apresentação medíocre. No entanto, um filme ruim pode ser embelezado por uma retórica emocionada. Sem deixar de ser um filme ruim. Uma entrada segura para o mundo da leitura pode estar numa mediação de qualidade. A vida do leitor em seu nascimento é, como a vida em geral, também um espaço-tempo de contradições. Reagimos ao ruim, ao mal feito, à imperícia, buscando em outras fontes a perfeição. Quem não tem livros em casa, procura entre as estantes da biblioteca. Quem não teve uma avó que lhe contasse histórias, vai em busca das crianças que a tiveram. Quem não ouviu a discussão sobre um assunto que lhe interesse, pergunta, pesquisa, incomoda (se) até encontrar quem ou o quê sacie sua curiosidade. Os textos e livros interessam porque preenchem faltas e lacunas e matam a sede de respostas.

A pluralidade da leitura

Leitores são como a vida: histórias diversificadas, ora cômicas, ora trágicas, ora monótonas, ora carregadas de aventuras. Analisando o leitor ou a leitora que somos, constatamos com facilidade o quanto somos volúveis. Gostamos hoje do que acharemos tedioso amanhã. Colocamos valor no livro ou no texto que no futuro poderemos considerar medíocre, equivocado, dispensável. Tratamos, na leitura do presente, de forma diferenciada e em categorias de importância o livro da moda, o ensaio filosófico (histórico, médico, jurídico, etc.), o clássico da literatura, os quadrinhos, a obra gastronômica, o guia de viagens, o jornal. Na verdade mais elementar da leitura, somos, cada um de nós, muitos leitores. Iniciantes nos manuais de uso da tecnologia, doutores nos assuntos que nos afetam profundamente, aprendizes nos temas que queremos dominar, satisfeitos e relaxados com as obras de fácil leitura e assim por diante. Subimos e descemos os degraus das categorias de leitores com rapidez e alguma facilidade.

O leitor, pra valer, é ao mesmo tempo como o malandro oficial de Chico Buarque — está na coluna social, deseja ser malandro federal, tem gravata e capital — e como o malandro pra valer, que tem mulher e filhos, mora longe e “chacoalha no trem da Central”. Assim, o leitor das estatísticas, genérico, impessoal, badalado ou execrado, sob domínio das classificações universais e objeto das políticas empresariais do livro, não é o único que nos habita. Somos, no exercício da leitura, “trezentos ou trezentos e cinquenta”, como Mário de Andrade se definia.

Os infinitos acervos

Essa multiplicidade permite compreender por que as portas de entrada da leitura são mui­tas e, por vezes, surpreendentes. Bruxos, vampi­ros, cabanas, números, fórmulas, imagens, sons podem estar na fonte primeira da sede saciada. O perigo não está nessa fonte, está, sim, em con­verter a fonte em único lugar onde se pode beber. Há lagos, rios, corredeiras, cascatas e oceanos, em que se apresentam e despenham as águas da lei­tura. Para beber, para banhar-se, para afogar-se, para aceitar ou recusar. O leitor pode viver sua vida leitora no mesmo lago, mas jamais compre­enderá a força do oceano. Pode ler exclusivamen­te quadrinhos a vida inteira, mas perderá as ima­gens incompletas dos grandes romances. Pode ler exclusivamente textos científicos, mas perderá o movimento intenso e prismático dos quadri­nhos e a força imaginária da literatura. Poderá ler exclusivamente a ficção, mas não aprenderá a intensa liberdade da poesia e o rigor especulativo do discurso histórico. O escritor japonês Haruki Murakami afirma: “Se você só lê os livros que todo mundo está lendo, você só pode pensar o que todo mundo está pensando” . Os infinitos acervos Essa multiplicidade permite compreender por que as portas de entrada da leitura são muitas e, por vezes, surpreendentes. Bruxos, vampiros, cabanas, números, fórmulas, imagens, sons podem estar na fonte primeira da sede saciada. O perigo não está nessa fonte, está, sim, em converter a fonte em único lugar onde se pode beber. Há lagos, rios, corredeiras, cascatas e oceanos, em que se apresentam e despenham as águas da leitura. Para beber, para banhar-se, para afogar-se, para aceitar ou recusar. O leitor pode viver sua vida leitora no mesmo lago, mas jamais compreenderá a força do oceano. Pode ler exclusivamente quadrinhos a vida inteira, mas perderá as imagens incompletas dos grandes romances. Pode ler exclusivamente textos científicos, mas perderá o movimento intenso e prismático dos quadrinhos e a força imaginária da literatura. Poderá ler exclusivamente a ficção, mas não aprenderá a intensa liberdade da poesia e o rigor especulativo do discurso histórico. O escritor japonês Haruki Murakami afirma: “Se você só lê os livros que todo mundo está lendo, você só pode pensar o que todo mundo está pensando”.

Formar leitores é oferecer às pessoas a oportunidade de descobrirem-se múltiplas na multiplicidade incontrolável dos textos.

sábado, 27 de outubro de 2012

O maravilhoso prazer de ler

Carlos Eduardo

Vários são os prazeres e as funções da leitura. Com ela, pode-se obter mais informação mais saber, refletir sobre algo, entre utras utilidades. A leitura pode ser comparada como o alimento, pois por meio dela pode-se saborear, mastigar, engolir determinado texto e se nutrir de informações e conhecimentos.

Há inúmeros prazeres que uma leitura pode trazer, depende do objetivo de cada leitor, pois por meio desse ato, o ser leitor está buscando aquilo que necessita para suprir o que sente. Caso esteja se sentindo só, a leitura é uma das mais belas e seguras companhias, já que por meio dela pode-se viajar para os lugares nunca dantes conhecidos.

Ainda sobre a questão do alimento, pode-se alimentar através do ato de ler,  se estiver com fome de saber, e pode-se até mesmo fazer a pergunta do tipo "que necessidade se tem? Está com vontade de 'comer' que tipo de leitura?"

Através desses questionamentos, pode-se escolher o 'alimento' correto, ou seja, a leitura correta, de acordo com as necessidades de cada um.

O prazer de ler é uma das ferramentas mais importantes paa se obter sucesso no ato da leitura, mas esse processo precisa também obter um trabalho social, ou seja, as letras, as palavras, frases, textos dos mais variados padrões e funções estão espalhaos pelo mundo, de forma a ajudar aos cidadãos a terem uma vida mais plena e digna.

E o mais interessante de tudo issoé que esse prazer em ler está associado a uma ligação entre os seres leitores, que desde crianças podem aprender e ter a oportunidade de usufruir desse prazer desde pequenos, quando os adultos leem para os seus filhos, ou os professores leem para seus alunos e, dessa forma, os pequenos que ainda não conseguem ler sozinhos, para si, obtêm esse prazer através do outro ser.

Esses contadores de histórias, por sua vez, facilitam o começo da leitura para essas crianças, que mais tarde farão o mesmo por outras e assim por diante, é um ciclo.

Todos os seres humanos possuem o direito de saber ler e escrever, é sabido que nem todos podem usufruir desse direito, mas a cada dia está se percebendo o crescimento e a cionscientização de que ler precisa fazer parte da vida de todos os meninos, meninas, homens e mulheres, visto que estes possuem a capacidade de pensar, refletir, memorizar, aprender, obter o conhecimentoe as informações de que precisam.

Através desse direito, acontece uma dinâmica bem interessante, ou seja, aquilo que uma pessoa escreve, outra supostamente lerá e fará uso daquilo, seja para uma informação, na leirtura de um mapa, nos preços dos supermercado, bulas de remédio, na legenda do cinema, nos recados dos professores na agenda escolar, no letreiro do outdoor, nas placas de avisos, nos cartazes em geral, nas campanhas publicitárias, na lousa das escolas, no jornal, nas revistas, nas cartas, nas mensagens enviadas pelos celulares, ou bips, nas internet, enfim, vários são os modos de se relacionar , fazendo com que esse direito de cidadania, que é a leitura, possa realmente acontecer no dia a dia das pessoas.

Então, está esperando o que para começar uma bela e interessante leitura?

Carlos Eduardo, Especialista em Língua Portuguesa aplicada na sala de aula, coordenador do Programa O POVO na Educação do Jornal O POVO - Fortaleza-CE e professor de Língua Portuguesa de ensino fundamental e médio.

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Como a biblioteca ajuda na formação de jovens leitores

 A leitura para as crianças é importante para formar adultos leitores, com mais facilidade para escrever e se comunicar. Quase todos os brasileiros concordam com isso

Foto: Cintia Sanchez / Divulgação


A leitura para as crianças é importante para formar adultos leitores, com mais facilidade para escrever e se comunicar. Quase todos os brasileiros concordam com isso, mas apenas 37% costuma ler para as crianças, segundo pesquisa realizada pela Fundação Itaú em parceria com o Datafolha. Uma visita à biblioteca pode ajudar a mudar essa realidade.

Na biblioteca, há muito mais variedade de obras, além de espaços especiais para realizar a leitura. Para as crianças, ter o hábito de frequentar uma biblioteca, além de trazer grande aprendizado, pode ser uma grande diversão.

No entanto, essa também não é uma realidade no Brasil. Na pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, encomendada pelo Instituto Pró-Livro, 67% dos entrevistados declararam a existência de uma biblioteca pública no bairro ou na cidade em que moram e, entre esses, 71% a classificaram como de "fácil acesso", porém apenas 24% afirmaram frequentá-las e somente 12% costumam ler em bibliotecas. Uma possível explicação para essa "impopularidade" das bibliotecas está na representação desses espaços no imaginário da população. A maioria as associa a lugares para estudar (71%) ou pesquisar (61%). Poucos veem as bibliotecas como espaços de lazer (12%) ou para passar o tempo (10%). Um outro dado que chama a atenção é que 33% afirmaram que "nada" os faria frequentar uma biblioteca.

Para falar sobre a importância e as possibilidades das bibliotecas, conversamos com Maria Antonieta Cunha, diretora do Livro, da Leitura, da Literatura e das Bibliotecas da Biblioteca Nacional, e Marcos Afonso Pontes de Souza, diretor da Biblioteca da Floresta, uma biblioteca especializada em assuntos e autores da Amazônia e do Acre, criada pelo Governo do Estado do Acre.

A função da biblioteca: O objetivo de uma biblioteca é colocar à disposição dos usuários materiais do seu interesse, mas foi-se o tempo em que as bibliotecas eram lugares chatos e empoeirados. "A biblioteca é extremamente dinâmica e progride cada vez mais com o desenvolvimento da própria ideia da ciência da informação", diz Maria Antonieta. "Em uma biblioteca, coexistem, por exemplo, o computador, a internet e outras artes que estabelecem um diálogo importante com a literatura para a formação da cabeça do cidadão".

A biblioteca não pode ser vista apenas como um lugar de consulta e pesquisa para complementar o currículo da escola.

Formando leitores: Para aproximar a população dos livros, a biblioteca não deve se limitar a suas quatro paredes. "Dá para criar uma série de atividades seja na empresa, na escola, na praça pública ou no presídio e aí a biblioteca estará cumprindo o seu papel que é ajudar a formar cidadãos leitores", explica Maria Antonieta. Para a diretora, a biblioteca cria leitores ao desenvolver neles o gosto pelo conhecimento e o gosto pela literatura e artes em geral. No entanto, no geral, as bibliotecas não estão preparadas para isso. "Os bibliotecários e os espaços que nós temos, muitas vezes, não facilitam essa ação", diz.

A biblioteca e as crianças: As crianças estão sempre em busca de conhecimento. Por isso, a biblioteca é o lugar ideal para os pequenos. Algumas bibliotecas têm atividades especiais para as crianças. A Biblioteca da Floresta, por exemplo, desenvolveu uma série de atividades na Semana da Criança, como contações de histórias e fantoches, jogos online educativos e jogos de tabuleiros, cantigas de roda e piquenique.

Fazer rodas de leitura, trazer autores de livros, inventar histórias ou até mesmo deixar a criança se movimentar livre para a biblioteca são bons exemplos de atividades, segundo Maria Antonieta. "Fazendo da biblioteca um espaço não só de leitura, mas de criação, nós conseguimos fazer a criança se interessar tanto pelo espaço da biblioteca quanto pela leitura, que é o objetivo maior", explica.

Como aproveitar a biblioteca: São os adultos, professores e pais, que despertam o interesse da criança pela biblioteca. No entanto, ir à biblioteca não deve ser um castigo ou uma obrigação. "É preciso fazer uma visita não burocrática, mas de sensibilização do espaço", diz Marcos Afonso. Para Maria Antonieta, "a biblioteca deve ser apresentada como um espaço de escolha de leituras. É um lugar para desvendar um mundo".

Pensando na comunidade: A biblioteca deve atender a comunidade. Nesse sentido, a Biblioteca da Floresta é inovadora por ser temática. O acervo é voltado para a história da região, com material sobre os índios, os seringueiros, a floresta e a trajetória da luta socioambiental da Amazônia. Maria Antonieta explica que algumas bibliotecas estão inseridas em espaços onde é importante ter essa especificidade, como é o caso de Rio Branco. "Conforme a localização e o interessa da comunidade, deve haver sim uma linha dentro do arquivo que contemple o tema que é uma grande demanda daquela comunidade". Porém, mesmo nas bibliotecas temáticas, é importante que o acervo também seja variado, para atrair e conquistar novos leitores.

domingo, 21 de outubro de 2012

30 mandamentos para ser leitor, escritor e crítico

Decalógo do leitor

Por Alberto Mussa

I - Nunca leia por hábito: um livro não é uma escova de dentes. Leia por vício, leia por dependência química. A literatura é a possibilidade de viver vidas múltiplas, em algumas horas. E tem até finalidades práticas: amplia a compreensão do mundo, permite a aquisição de conhecimentos objetivos, aprimora a capacidade de expressão, reduz os batimentos cardíacos, diminui a ansiedade, aumenta a libido. Mas é essencialmente lúdica, é essencialmente inútil, como devem ser as coisas que nos dão prazer.

II - Comece a ler desde cedo, se puder. Ou pelo menos comece. E pelos clássicos, pelos consensuais. Serão cinqüenta, serão cem. Não devem faltar As mil e uma noites, Dostoiévski, Thomas Mann, Balzac, Adonias, Conrad, Jorge de Lima, Poe, García Márquez, Cervantes, Alencar, Camões, Dumas, Dante, Shakespeare, Wassermann, Melville, Flaubert, Graciliano, Borges, Tchekhov, Sófocles, Machado, Schnitzler, Carpentier, Calvino, Rosa, Eça, Perec, Roa Bastos, Onetti, Boccaccio, Jorge Amado, Benedetti, Pessoa, Kafka, Bioy Casares, Asturias, Callado,Rulfo, Nelson Rodrigues, Lorca, Homero, Lima Barreto, Cortázar, Goethe, Voltaire, Emily Brontë, Sade, Arregui, Verissimo, Bowles, Faulkner, Maupassant, Tolstói, Proust, Autran Dourado, Hugo, Zweig, Saer, Kadaré, Márai, Henry James, Castro Alves.

III - Nunca leia sem dicionário. Se estiver lendo deitado, ou num ônibus, ou na praia, ou em qualquer outra situação imprópria, anote as palavras que você não conhece, para consultar depois. Elas nunca são escritas por acaso.

IV - Perca menos tempo diante do computador, da televisão, dos jornais e crie um sistema de leitura, estabeleça metas. Se puder ler um livro por mês, dos 16 aos 75 anos, terá lido 720 livros. Se, no mês das férias, em vez de um, puder ler quatro, chegará nos 900. Com dois por mês, serão 1.440. À razão de um por semana, alcançará 3.120. Com a média ideal de três por semana, serão 9.360. Serão apenas 9.360. É importante escolher bem o que você vai ler.

V - Faça do livro um objeto pessoal, um objeto íntimo. Escreva nele; assinale as frases marcantes, as passagens que o emocionam. Também é importante criticar o autor, apontar falhas e inverossimilhanças. Anote telefones e endereços de pessoas proibidas, faça cálculos nas inúteis páginas finais. O livro é o mais interativo dos objetos. Você pode avançar e recuar, folheando, com mais comodidade e rapidez que mexendo em teclados ou cursores de tela. O livro vai com você ao banheiro e à cama. Vai com você de metrô, de ônibus, e de táxi. Vai com você para outros países. Há apenas duas regras básicas: use lápis; e não empreste.

VI - Não se deixe dominar pelo complexo de vira-lata. Leia muito, leia sempre a literatura brasileira. Ela está entre as grandes. Temos o maior escritor do século XIX, que foi Machado de Assis; e um dos cinco maiores do século XX, que foram Borges, Perec, Kafka, Bioy Casares e Guimarães Rosa. Temos um dos quatro maiores épicos ocidentais, que foram Homero, Dante, Camões e Jorge de Lima. E temos um dos três maiores dramaturgos de todos os tempos, que foram Sófocles, Shakespeare e Nelson Rodrigues.

VII - Na natureza, são as espécies muito adaptadas ao próprio hábitat que tendem mais rapidamente à extinção. Prefira a literatura brasileira, mas faça viagens regulares. Das letras européias e da América do Norte vem a maioria dos nossos grandes mestres. A literatura hispano-americana é simplesmente indispensável. Particularmente os argentinos. Mas busque também o diferente: há grandezas literárias na África e na Ásia. Impossível desconhecer Angola, Moçambique e Cabo Verde. Volte também ao passado: à Idade Média, ao mundo árabe, aos clássicos gregos e latinos. E não esqueça o Oriente; não esqueça que literatura nenhuma se compara às da Índia e às da China. E chegue, finalmente, às mitologias dos povos ágrafos, mergulhe na poesia selvagem. São eles que estão na origem disso tudo; é por causa deles que estamos aqui.

VIII - Tente evitar a repetição dos mesmos gêneros, dos mesmos temas, dos mesmos estilos, dos mesmos autores. A grande literatura está espalhada por romances, contos, crônicas, poemas e peças de teatro. Nenhum gênero é, em tese, superior a outro. Não se preocupe, aliás, com o conceito de gênero: história, filosofia, etnologia, memórias, viagens, reportagem, divulgação científica, auto-ajuda – tudo isso pode ser literatura. Um bom livro tem de ser inteligente, bem escrito e capaz de provocar alguma espécie de emoção.

IX - A vida tem outras coisas muito boas. Por isso, não tenha pena de abandonar pelo meio os livros desinteressantes. O leitor experiente desenvolve a capacidade de perceber logo, em no máximo 30 páginas, se um livro será bom ou mau. Só não diga que um livro é ruim antes de ler pelo menos algumas linhas: nada pode ser tão estúpido quanto o preconceito.

X - Forme seu próprio cânone. Se não gostar de um clássico, não se sinta menos inteligente. Não se intimide quando um especialista diz que determinado autor é um gênio, e que o livro do gênio é historicamente fundamental. O fato de uma obra ser ou não importante é problema que tange a críticos; talvez a escritores. Não leve nenhum deles a sério; não leve a literatura a sério; não leve a vida a sério. E faça o seu próprio decálogo: neste momento, você será um leitor.
 Decálogo do autor

Por Miguel Sanches Neto

Depois de leitor, você pode se tornar, então, escritor– embora, pasme, muitos hoje pulem a leitura, por julgá-la dispensável, e já desejem publicar

I - Não fique mandando seus originais para todo mundo.Acontece que você escreve para ser lido extramuros, e deseja testar sua obra num terreno mais neutro. E não quer ficar a vida inteira escrevendo apenas para uma pessoa. O que fazer então para não virar um chato? No passado, eu aconselharia mandar os textos para jornais e revistas literárias, foi o que eu fiz quando era um iniciante bem iniciante. Mas os jovens agora têm uma arma mais democrática. Publicar na internet. Há muitos espaços coletivos, uma liberdade de inclusão de textos novos e você ainda pode criar seu próprio site ou blog, mas cuidado para não incomodar as pessoas, enviando mensagens e avisos para que leiam você.

II - Publique seus textos em sites e blogs e deixe que sigam o rumo deles. Depois de um tempo publicando eletronicamente, você vai encontrar alguns leitores. Terá de ler os textos deles, e dar opiniões e fazer sugestões, mas também receberá muitas dicas.

III - Leia os contemporâneos, até para saber onde é o seu lugar. Existe um batalhão de internautas ávidos por leitura e em alguns casos você atingirá o alvo e terá acontecido a magia de um texto encontrar a pessoa que o justifica. Mas todo texto escrito na internet sonha um dia virar livro. Sites e blogs são etapas, exercícios de aquecimento. Só o livro impresso dá status autoral. O que fazer quando eu tiver mais de dois gigas de textos literários? Está na hora de publicar um livro maior do que Em busca do tempo perdido? Bem, é nesse momento que você pode continuar sendo um escritor iniciante comum ou subir à categoria de iniciante com experiência. Você terá que reduzir essas centenas e centenas de páginas a um formato razoável, que não tome muito tempo de leitura de quem, eventualmente, se interessar por um livro de estréia. Para isso,
você terá de ser impiedoso, esquecer os elogios da mulher e dos amigos e selecionar seu produto, trabalhando duro para que fique sempre melhor.

IV - Considere apenas uma pequenina parte de toda a sua produção inicial, e invista na revisão dela, sabendo que revisar é cortar. O livro está pronto. Não tem mais do que 200 páginas, você dedicou anos a ele e ainda continua um iniciante. Mas um iniciante responsável, pois não mandou logo imprimir suas obras completas com não sei quantos tomos, logo você que talvez nem tenha completado 30 anos. Mas você quer fazer circular a sua literatura de maneira mais formal. Quer o livro impresso. E isso é hoje muito fácil. Você conhece um amigo que conhece uma gráfica digital que faz pequenas tiragens e parcela em tantas vezes. O livro está pronto. E anda sobrando um dinheirinho, é só economizar na cerveja.

V - Gaste todo seu dinheiro extra em cerveja, viagens, restaurantes e não pague a publicação do próprio livro. Se você fizer isso, ficará novamente ansioso para mandar a todo mundo o volume, esperando opiniões que vão comparar o seu trabalho ao dos mestres. O livro impresso, mesmo quando auto-impresso, dá esta sensação de poder. Somos enfim Autores. E podemos montar frases assim: Borges e eu valorizamos o universal. Do ponto de vista técnico, Borges e eu estamos no mesmo nível: produzimos obras impressas; mas a comparação não vai adiante. Então como publicar o primeiro livro se não conhecemos ninguém nas editoras? E aí começa um outro problema: procurar pessoas bem postas em editoras e solicitar apresentações. Na maioria das vezes isso não funciona. E, mesmo quando o livro é publicado, ele não acontece, pois foi um movimento artificial.

VI - Nunca peça a ninguém para indicar o seu livro a uma editora. Se por acaso um amigo conhece e gosta de seu trabalho, ele vai fazer isso naturalmente, com alguma chance de sucesso. Tente fazer tudo sozinho, como se não tivesse ninguém mais para ajudar você do que o seu próprio livro. Sim, este livro em que você colocou todas as suas fichas. E como você só pode contar com ele...

VII - Mande seu livro a todos os concursos possíveis e a editoras bem escolhidas, pois cada uma tem seu perfil editorial. É melhor gastar seu dinheiro com selos e fotocópias do que com a impressão de uma obra que não será distribuída e que terá de ser enviada a quem não a solicitou. Enquanto isso, dedique-se a atividades afins para controlar a ansiedade, porque essas coisas de literatura demoram, demoram muito mesmo. Você pode traduzir textos literários para consumo próprio ou para jornais e revistas, pode fazer resenhas de obras marcantes, ler os clássicos ou simplesmente manter um diário íntimo. O importante é se ocupar. Com sorte e tendo o livro alguma qualidade além de ter custado tanto esforço, ele acaba publicado. Até o meu terminou publicado, e foi quando me tornei um iniciante adulto. Tinha um livro de ficção no catálogo de uma grande editora. E aí tive de aprender outras coisas. Há centenas de livros de iniciantes chegando aos jornais e revistas para resenhas e uma quantidade muito maior de títulos consagrados. E a maioria vai ficar sem espaço nos jornais. E é natural que os exemplares distribuídos para a imprensa acabem nos sebos, pois não há resenhistas para tantas obras.

VIII - Não force os amigos e conhecidos a escrever sobre seu livro. Não quer dizer que eles não possam escrever, podem sim, mas mande o livro e, se eles não acusarem recebimento ou não comentarem mais o assunto, esqueça e não lhes queira mal, eles são nossos amigos mesmo não gostando do que escrevemos. Se um ou outro amigo escrever sobre o livro, festeje mesmo se ele não entender nada ou valorizar coisas que não julgamos relevantes em nosso trabalho. E mande umas palavras de agradecimento, pois você teve enfim uma apreciação. E se um amigo escrever mal de nosso livro, justamente dessa obra que nos custou tanto? Se for um desconhecido, ainda vá lá, mas um amigo, aquele amigo para quem você fez isso e aquilo.

IX - Nunca passe recibo às críticas negativas. Ao publicar você se torna uma pessoa pública. E deve absorver todas as opiniões, inclusive os elogios equivocados. Deixe que as opiniões se formem em torno de seu trabalho, e talvez a verdade suplante os equívocos, principalmente se a verdade for que nosso trabalho não é lá essas coisas. O livro está publicado, você já pensa no próximo, saíram algumas resenhas, umas superficiais, outras negativas, uma muito correta. Você é então um iniciante com um currículo mínimo. Daí você recebe a prestação de contas da editora, dizendo que, no primeiro trimestre, as devoluções foram maiores do que as vendas. Como isso é possível? Vejam quantos livros a editora mandou de cortesia. Eu não posso ter vendido apenas 238 exemplares se, só no lançamento, vendi 100, o gerente da livraria até elogiou – enfim uma vantagem de ter família grande.

X - Evite reclamar de sua editora. Uma editora não existe para reverenciar nosso talento a toda hora. É uma empresa que busca o lucro, que tem dezenas de autores iguais a nós e que quer ter lucro com nosso livro, sendo a primeira prejudicada quando ele não vende. Não precisamos dizer que é a melhor editora do mundo só porque nos editou, mas é bom pensar que ocorreu uma aposta conjunta e que não se alcançou o resultado esperado. Mas que há oportunidades para outras apostas e, um dia, quem sabe...Foi tentando seguir estas regras que consegui ser o autor iniciante que hoje eu sou.

Decálogo do crítico

Por Michel Laub

Ler por obrigação, ganhar pouco, ser odiado por autores criticados ou ignorados por você. Ante tantos dissabores, saiba para que serve, afinal, fazer crítica literária

I - Um bom começo pode ser a leitura de O imperador do vinho, de Elin McCoy, a biografia do americano Robert Parker. Trata-se da figura mais polêmica do universo milionário da enologia. Uma nota alta na The Wine Advocate, sua newsletter, é capaz de enriquecer um fabricante; uma nota baixa pode significar a falência. O olfato de Parker é segurado em cerca de US$ 1 milhão. Ao longo dos anos, percebeu-se que ele gostava de vinhos frutados. Muitas propriedades, até algumas tradicionais da França, passaram a chamar especialistas para estudar o solo, mudar a forma do plantio e da colheita, tudo para colher uvas que originassem vinhos adequados a esse gosto.

II - Saiba que esse talvez seja o exemplo máximo de crítico bem-sucedido no mundo de hoje – rico de fato, influente de fato, uma presença de fato essencial em seu meio. Quase todos os outros profissionais da categoria, trabalhem eles com música, cinema, gastronomia, televisão ou concursos de beleza, estão bem mais próximos da figura descrita por George Orwell em Confissões de um resenhista: “Trinta e cinco anos, mas aparenta cinqüenta(...) [trabalha num] conjugado frio, mas abafado (...). Dos milhares de livros que aparecem todo ano, é quase certo que existam 50 ou 100 sobre os quais teria prazer em escrever. Se for de primeira categoria na profissão, pode conseguir dez ou vinte. É mais provável que consiga dois ou três”.

III - Ou seja, prepare-se para uma atividade enfadonha e mal-remunerada. Você lerá só por obrigação. Nunca mais irá atrás de um livro indicado por um amigo. Nunca mais fechará um livro com a sensação de que, para o bem ou para o mal, não há nada a dizer sobre ele. Porque sempre haverá o que dizer. Se não houver, as contas não são pagas.

IV - Não se preocupe, porém. Há muitos truques para encher essas páginas em branco. Se você quer desancar um livro e não sabe como, recorra a alguns adjetivos algo abstratos em se tratando de literatura, mas ainda assim úteis numa resenha. A timidez, por exemplo. Argumente que o autor não explora suficientemente os conflitos de sua obra. Afinal, explorar conflitos é uma tarefa que não tem fim, e há um momento em que todo autor, por mais extrovertido que seja, precisa parar. Outros chavões sempre à mão: excesso de objetividade,excesso de subjetivismo, excesso de frieza, excesso de dramaticidade. A categoria das “idéias fora de lugar”, deslocada de seu contexto original, também ajuda bastante. Um romance correto, instigante e envolvente pode ser atacado por reproduzir um modelo “burguês” de contar histórias, incompatível com o nosso tempo. Um romance sem essas características pode ser destruído, justamente, por ser mal-escrito e não envolver o leitor.

V - Para o caso contrário, isto é, se você quer elogiar um livro que acha ruim – o das linhas finais do item IV, por exemplo –, há dois recursos clássicos: a) em relação à prosa desagradável, escatológica e/ou ilegível, diga que ela reproduz o incômodo e a irredutibilidade de sentidos do mundo contemporâneo; b) em relação à trama caótica e fragmentária, quando não se entende o que é início, o que é fim e do que é mesmo que estamos falando, afirme que a maçaroca reproduz, como uma “metáfora estrutural”, o caos fragmentário da sociedade pós-industrial.

VI - Usando desses truques, você está pronto para fazer nome devido à afinação com o vocabulário crítico de sua época. Mas se, por um desses acasos raros, você está decidido a realmente dizer o que pensa, há também dois caminhos a seguir. O primeiro é confiar cegamente nos seus juízos pessoais, não temendo a exposição de seus preconceitos íntimos em público. Assim, você terá mais chances de ser considerado um sujeito ranheta, excêntrico e/ou pervertido.

VII - O segundo caminho é considerar-se portavoz de um “sistema”, para o qual são válidas mesmo obras que não são do seu agrado (por questões sociológicas, por exemplo). Mesmo que os motivos sejam nobres – sua humildade para não se considerar o juiz definitivo sobre o que é ou não relevante em termos estéticos –, há boas probabilidades de você ser visto como um crítico sem alma, sem coragem, sem graça.

VIII - Independentemente de sua escolha, é inevitável que você seja desprezado. Todos dirão que seu desejo secreto era ser ficcionista ou poeta, que você é leviano demais, complacente demais, que tem algum interesse obscuro – ascender na carreira, agradar aos pares da universidade, arrumar um(a) namorado(a) – ou está a soldo de alguma entidade obscura – grupos literários rivais, editores, maçons, seitas religiosas, partidos políticos de esquerda (se você escrever numa pequena publicação) ou de direita (se receber salário de alguma corporação de mídia).

IX - Mais que isso: você será odiado. Pelos autores que você desanca. Pelos autores que você ignora. Pelos autores que você elogia (os motivos serão sempre os errados, na opinião deles). Pelos outros críticos. Por boa parte do público, mesmo por aquele que o lê com freqüência.

X - Mas se, apesar de tudo isso, você ainda insiste em abraçar a profissão, é bom se perguntar o motivo. Quando criança, usando o olfato, Robert Parker era capaz de listar todos os ingredientes dos pratos que estavam sendo cozinhados na vizinhança, habilidade que o tornaria um campeão absoluto dos “testes cegos” de identificação de uvas e safras. Isso se chama vocação. É o seu caso? Você se sente preparado para conjugar erudição e capacidade interpretativa em tamanha escala? Sendo a resposta afirmativa, trata-se de uma ótima notícia. Não só para você, que talvez tenha achado um modo honesto de ganhar a vida, mas para o próprio meio literário. Porque não há nada de que ele necessite mais, hoje ou em qualquer tempo: alguém que o ajude a firmar tendências, corrigir rumos, separar o joio do trigo. Diferentemente do que se diz, um crítico autêntico não é apenas o advogado do público. Ele é, em última instância, o maior defensor da própria literatura.

Fonte: Entre Livros 
 

5 dicas para despertar o desejo de ler nas crianças

Matéria publicada em 23/04/2012

Hoje, 2 de Abril, é comemorado o "Dia Mundial do Livro Infantil". Esta data foi escolhida como forma de homenagear um dos maiores ícones deste categoria, o autor dinamarquês, Hans Christian Andersen, que nasceu neste dia no ano de 1805. Andersen, dentre outros clássicos, escreveu "O Patinho Feio", "A Pequena Sereia" e "O Pequeno Soldadinho de Chumbo". Aproveitando a data e atendendo ao pedido da leitora da nossa Fan Page, Fátima Carvalho, vamos dar 5 dicas para lhe ajudar a despertar o desejo de ler no seu filho e nas crianças em geral.
"Antes de continuar lendo a postagem, siga O Vendedor de Livros no Twitter e curta nossa Fan Page no Facebook, e mantenha-se informado e atualizado sobre o que de melhor acontece no Mundo Literário". 
Não sei se sabem, mas os livros destinados a crianças e adolescentes, em volume de vendas, era o segundo nicho editorial mais vendido no Brasil, só perdia para as obras didáticas adquiridas pelo governo. Hoje, segundo pesquisas, caiu para terceiro, pois também foi ultrapassado pelos livros de auto-ajuda.

Independente da posição, os livros infantis sempre foram muito bem vendidos, muitas editoras aproveitaram o momento e criaram selos e equipes específicas para atenderem esta demanda que cresce ano-a-ano.

Mesmo vendendo milhões de livros por ano, os livros infantis ainda estão longe de fazerem parte da realidade de muitas crianças Brasil a fora. Os principais responsáveis (tirando o governo, que não investe em políticas para propagar e divulgar os benefícios da leitura no Brasil) são os pais e educadores, que por negligência, falta de interesse e preparo ou talvez por não acharem importante o ato de ler, podam seus filhos e alunos deste prazer e oportunidade de terem acesso a um Universo, até então, desconhecido. 

Mas tem o outro lado da moeda, existem aqueles pais e professores que gostariam que suas crianças lessem, mas não sabem como fazerem isso. Se você se enquadra nesta categoria, leia abaixo estas 5 dicas, tenho certeza que vão lhe ajudar:

1 - Ler histórias: na minha opinião, esta é a dica principal, pois você começa pelo exemplo (a criança ver você lendo) e interação que o ato de ler gera nas outras pessoas, pois possibilita, além da leitura, a dramatização da história com mímicas, diferentes entonações na voz, desenhos, ilustrações, e tudo isso, com a participação da criança;

2 - Criar um ambiente: compre livros, pode ser até aqueles de pintar, e espalhe pelo quarto dela ou no espaço onde ela costuma brincar, faça com que os livros comecem a fazer parte do dia-a-dia do seu filho;

3 - Respeite o gosto dela: não force nada, deixe as coisas acontecerem naturalmente e com o tempo. Tente perceber aqueles livros, histórias e personagens que mais chamam a atenção deles, e a partir daí, direcione o interesse dos seus filhos ou alunos para estes livros, a chance deles gostarem é bem maior;

4 - Frequente livrarias e bibliotecas: como você quer que seu filho se torne um leitor, se você não o chama para ir a uma livraria ou biblioteca contigo. Crie este hábito, se ele disser não, que não está afim, insista um pouco, porém sem ser agressivo. Fale que lá tem um espaço só para "gente da idade dele" (a maioria das livrarias o possuem), repleto de brinquedos, livros e outras crianças para ele brincar e ler junto;


5 - Associe a leitura com brincadeiras: sempre que for ler para seus filhos, pegue também bonecos, carrinhos, bichos de pelúcia e outros materiais, e crie encenações das histórias. Escolha um personagem e faça-o escolher outro (caso ele já saiba ler), e juntos, encenem a drama, criando assim um pequeno teatro da narrativa. Existem outras ideias, tais como: promover jogos, leituras em voz alta, rodas de leitura, e aquilo que a sua imaginação quiser fazer, para brincar e aprender, não há limites. Lembre-se que os brinquedos e as atividades lúdicas fazem parte da vida e mundo das crianças.

Creio que com estas 5 iniciativas, já será possível conseguirmos plantar a "semente" do desejo e interesse nos livros e leitura dentro do coraçãozinho dos nossos pequenos. Tudo vai depender de como estas dicas serão aplicadas, e principalmente da proatividade dos pais em monitorar, acompanhar e encorajarem seus filhos conforme a evolução e desenvolvimento de cada um. Só lembrando que, dica não é regra e muito menos lei, portanto, adapte-as de acordo com a sua necessidade, condição e ambiente.  Você, e principalmente seu filho, só tem a ganhar.
Ah, e se você quiser algumas indicações, estou às ordens.

Amigo leitor, o que você achou destas ideias, já pratica alguma delas com seu filho, tem alguma outra que você tentou e deu certo? 

Deixe um comentário e compartilhe as suas experiências e opiniões conosco, elas são muito importantes para mim.

Um abraço e boas leituras!

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Há uma princesa preocupada com a iliteracia

Matéria públicada em 15/10/2012

Rita Pimenta
 
Um em cada cinco europeus tem dificuldade em ler o mundo. Frase escolhida para título de um relatório sobre literacia na União Europeia. E a princesa Laurentien da Holanda, que liderou os peritos, não se conforma. "É preciso agir já", diz. Os europeus de que se fala têm 15 anos.

Ler e escrever "não são apenas competências técnicas", são "a chave para os cidadãos sentirem que fazem parte da sociedade", diz Laurentien van Orange



Na Holanda, 10 por cento da população têm problemas de iliteracia funcional. Isto é, baixo desempenho na leitura e na escrita, o que impede uma participação activa na sociedade. "Não se esperaria este tipo de problemas num país como a Holanda, pois não?", diz a princesa Laurentien, que veio a Lisboa para a VI Conferência Internacional do Plano Nacional de Leitura.

Empenhada em provar que a iliteracia não é "um exclusivo dos países em desenvolvimento", Laurentien van Oranje diz que "a Europa precisa de acordar para este problema". Por isso, dirigiu o Grupo de Peritos de Alto Nível sobre Literacia da Comissão Europeia que fez o relatório. Um em cada cinco europeus tem dificuldade em ler o mundo (publicado em Setembro) e apresentou-o no final da semana passada aos ministros da Educação da UE, no Chipre.

Antes, em Portugal, teve oportunidade de o mostrar a Nuno Crato e, durante a sua comunicação na Gulbenkian, acabou por provocar risos na plateia ao sugerir ao ministro da Educação: "Diga ao seu colega das Finanças que investir na literacia compensa. Falem disso quando forem de férias juntos." Isto porque a princesa Laurentien acredita que, "mobilizando os diferentes ministros para o assunto e pondo a literacia no centro de todas as políticas, o problema se resolverá mais facilmente".

Lembra que "é a primeira vez que a literacia é analisada a nível europeu desta forma e que a Europa tem muitas políticas segmentadas que, por não contemplarem a questão, não vão conseguir alcançar os objectivos". E dá ao PÚBLICO dois exemplos: o combate à pobreza ("se não se tiver competência para ler e escrever, torna-se quase impossível sair da sua espiral") e o investimento no digital ("não haverá pessoas conectadas se não souberem ler bem nem escrever"). Reforça a ideia de que este relatório é "um sinal de alerta". Ou seja: "Acordai." Segundo Laurentien, temos de encontrar caminhos para chegar a estas pessoas e descobrir o que precisam. Depois, há que insistir em argumentos adequados para as convencer a superarem-se e a colaborarem no seu próprio crescimento.

Mas os governos desejam mesmo uma população informada e exigente? "Todos os discursos dizem: 'Queremos uma Europa competitiva e inovadora'. Não podemos consegui-lo sem ser com base no conhecimento, no saber", disse ao PÚBLICO na véspera da conferência. "Nós falámos com os diferentes países da União e todos nos revelaram que não se tinham apercebido da importância da literacia. Há dez anos que trabalho sobre o assunto e foi muito difícil pô-lo na agenda política. Na Holanda, já conseguimos. Tem de ser passo a passo."

Mesmo quando os governos estão obcecados com o défice, o PIB, as dívidas? "Temos de fazer com que entendam que a ideia não é investir em política social 'em vez de' na literacia ou em políticas educativas 'em vez de' na literacia. A literacia é um componente de todas as áreas e tem de atravessar as diferentes políticas." Empresas, empregadores e outros actores sociais ficarão a ganhar: "Os empregadores ficarão com trabalhadores mais motivados, mais saudáveis, que faltam menos e são mais atentos à segurança. Sabemos que é assim. E precisamos de conquistar as empresas para a causa da literacia. Continua a ser o dinheiro a mover o mundo".

A influência de Laurentien multiplica-se em diversas actividades e instituições. Em 2004, criou a Fundação Ler e Escrever dos Países Baixos. Em 2009, tornou-se enviada especial da UNESCO da Literacia para o Desenvolvimento e foi patrona de Amesterdão Capital Mundial do Livro. É também presidente da Fundação Cultural Europeia e deu "uma grande ajuda no início do Plano Nacional de Leitura" português, lembrou Isabel Alçada, a primeira comissária, substituída entretanto por Fernando Pinto do Amaral.

Mas o que faz uma princesa empenhar-se tanto no combate à iliteracia? "Eu não mudei por me ter tornado princesa, por me ter casado com um príncipe [príncipe Constantino]. Sou a mesma pessoa que era antes, só que tenho mais responsabilidade. A de ser figura pública."

Laurentien, com apelido de solteira Brinkhorst, é formada em Ciências Políticas pela Universidade de Londres, fez mestrado em Jornalismo na Universidade da Califórnia e trabalhou na CNN.

Uma experiência pessoal dura, de "isolamento" e "exclusão", na juventude terá ampliado a sua sensibilidade para situações semelhantes às que sentem as pessoas "que não sabem ler o mundo". Foi assim: "Quando tinha 16 anos, fui para o Japão com os meus pais. Saí de um sistema holandês para um sistema francês e não sabia pronunciar uma única palavra. Foi muito difícil não conseguir comunicar com os meus colegas na escola, que também não estavam muito interessados em entender-me. Senti-me muito isolada. Não tive pena de mim própria, mas foi uma experiência muito forte."

A partir de então, fez tudo o que podia para que "toda a gente se sentisse incluída". E agora pode mais. "O desconhecimento de uma língua leva uma pessoa a sentir-se muito só e infeliz. O mesmo se passa com quem não sabe ler ou lê mal. Tem vergonha, esconde-se, torna-se insegura e desconfiada. Não quero isso para ninguém."

Ler pode ser uma chave

Outra história pessoal: "Alguém muito próximo de mim admitiu, há dois anos, que não conseguia ler em condições. Sentia-se tão triste que, ao revelá-lo, se desfez em lágrimas. Eu conheço-a há anos e nunca desconfiei."

A princesa Laurentien não tem dúvidas de que "ler e escrever não são apenas competências técnicas que se aprendem e pronto", são "a chave para os cidadãos sentirem que fazem parte da sociedade". Por isso continua a empenhar-se tanto. "Se de alguma forma conseguirmos passar-lhes o sentimento de que realmente importam, a sua confiança aumentará e passarão a acreditar que é possível. É isso que quero para toda a gente. Confiança e capacidade de acreditar. Mesmo do ponto de vista estratégico e político, fazem-se imensos progressos assim."

Mas não será fácil convencer um miúdo de que ler e escrever é importante e que o conhecimento é precioso quando este vê a profissão dos pais, professores ou jornalistas, por exemplo, ser completamente desvalorizada. "O que se pode dizer a esse miúdo é que, queira ele ser bombeiro, operário numa fábrica ou ter qualquer outra profissão, será sempre mais fácil conseguilo se dominar a palavra escrita. Tenho consciência da situação difícil que se atravessa, mas não podemos desistir. No momento em que começarmos a desistir da educação, estamos perdidos. A palavra escrita é central nas sociedades actuais."

Olhar a literacia a partir do berço é o caminho e já se sabe que se deve começar logo por aí. Mas há equívocos. "Os programas de leitura dirigem-se quase sempre para as crianças e no pressuposto de que haverá um adulto que lhes irá ler uma história ao deitar, por exemplo. No entanto, muitas vezes há uma percentagem elevada de adultos que não conseguem ler para as crianças. E o programa vai por água abaixo", conclui.

A justificação para a Europa se ter deixado chegar a estes níveis "inesperados" de iliteracia encontra-a na excessiva confiança que se depositou nos sistemas: "Nós pensámos que, tendo tudo a funcionar, como o acesso alargado à educação, os infantários, as creches, as escolas, os professores qualificados, o trabalho estava feito. Mas enganámo-nos." Uma série de aspectos importantes foram ignorados: "Não pensámos em qualidade, não pensámos no que fazer com culturas diferentes. Tomámos tudo por garantido. E criámos um tabu: as pessoas que começaram a ter estes problemas não falavam disso. Pensavam que eram as únicas e foram-se escondendo. Temos de acordar a Europa e derrubar esse tabu."

O poder das crianças

A terminar o encontro com o PÚBLICO, a princesa Laurentien da Holanda quer falar sobre o seu livro para crianças Mr. Finney e o Mundo de Pernas para o Ar (ilustração de Sieb Posthuma, edição da Esfera do Caos). E falou. "Se me tivesse perguntado o que espero do papel de Mr. Finney em Portugal, ter-lheia dito que espero que motive as crianças a conversar sobre problemas ambientais com os pais. Acredito no poder do discurso das crianças, é muito coerente e eficaz. Elas vão obrigar os pais a verem-se ao espelho e a questionarem-se."

Também quer levar este diálogo para as escolas, por isso visitou a Escola Francisco Arruda, em Lisboa. "Não se pode ensinar apenas como funciona a Natureza. Mr. Finney questiona mais do que explica." Conta ainda que fez um pacto com os alunos que conheceu. "Pedi-lhes que, da próxima vez que vissem lixo no chão, o apanhassem. Selámos o acordo com um aperto de mão. E eles comprometeram-se a cumpri-lo."

Nuno Crato também se comprometeu a, nas próximas férias, mostrar o relatório a Vítor Gaspar.

Fonte: Jornal "Público"