sexta-feira, 1 de abril de 2011

Gibi ou livro? O que a criança gostar!

Mariana Cruz
Publicado em 31 de agosto de 2010


Na minha infância não existiam todas essas opções de lazer que se veem hoje em dia: bonecas de todos os tipos, formas e profissões; canais de TV especializados no público infantil; jogos eletrônicos (havia somente o Atari) e outras bugigangas. Nada disso. Tínhamos, então, que ocupar nosso tempo inventando brincadeiras, lendo historinhas, ouvindo uns disquinhos coloridos (com a narração de histórias como A formiguinha e a neve, Os Três Porquinhos e o Lobo Mau; A cigarra e a formiga) e, claro, vendo os desenhos animados na TV. Eu tinha também os amiguinhos do clube (já não sou da época em que se brincava na rua) e a companhia constante de livros e gibis. Dos livros aprendi a gostar desde cedo, pois era normal – e ainda hoje é – ver meus pais lendo em diversos lugares da casa. Minha escola também incentivava bastante tal hábito e no clube que frequentava tinha uma biblioteca para Borges nenhum botar defeito, tamanhas as possibilidades que ela oferecia, os mundos aonde ela me levava. Havia um espaço só para crianças, onde líamos sentados em mesinhas, no chão e até mesmo deitados, desenhávamos e nos relacionávamos com as outras crianças (a sala era separada do restante da biblioteca por uma parede de vidro, então podíamos conversar sem atrapalhar os “velhos”, como nos referíamos aos leitores adultos).

A falta de opções de lazer para crianças se estendia aos shoppings: a ausência de parquinhos infantis também fazia com que um passeio por tais lugares se transformasse em programa cultural. No Shopping da Gávea, por exemplo, o point era a Livraria Malasartes. Ficávamos meu irmão e eu lá, folheando um monte de livros. Muitas vezes não levávamos nenhum para casa, mas não tinha problema. Aliás, a livraria existe até hoje e, quase trinta anos depois, continua igual. Não se intimidou com as megalivrarias. Está lá, no mesmo cantinho, com uma mesinha para as crianças lerem, estantes rebaixadas para os pequenos terem acesso aos livros. E nada de pai pegar o livro para eles. E foi assim que eu, nos anos 1980, comecei a ler e escolher meus livrinhos. Foi por esse tempo, não sei se por pedido do meu irmão ou por iniciativa dos meus pais, ganhamos o Shakespeare em Quadrinhos. O livro era grande, de capa dura e vinha com três peças de Shakespeare: Hamlet, Romeu e Julieta e, por último, A Tempestade. Os personagens desenhados na capa pareciam reais. Lembro-me de ficar olhando a Julieta com seus cabelos negros escorridos. Foi quando passei a não mais querer ser loira, e sim ter o cabelo como o da amada de Romeu. Além disso, era fascinada pela figura de Hamlet, com aquela roupa preta colada e suas madeixas douradas esvoaçantes. Meu irmão e eu líamos e relíamos o livro, desenhávamos os personagens e, de quebra, transportávamos as histórias para as brincadeiras de Playmobil. Graças a esse pseudoconhecimento de Shakespeare, meu irmão acabou ganhando fama de gênio por parte de alguns desavisados que achavam que ele conhecia de fato a obra, afinal sabia o enredo, o nome dos personagens, brincava de espada com os amiguinhos dizendo “eu sou o Mercúcio e você é o Tebaldo!”. Não era de se admirar que o achassem precoce. O maior engodo. Era tão natural para a gente ler aquelas histórias como era natural ler Asterix, Tex, Mafalda, TinTin, os gibis da Turma da Mônica e tantos outros. Não importava se vinham da banca de jornal ou se eram comprados na livraria. A única diferença é que os quadrinhos mais sofisticados não podíamos colorir ou desenhar.

Ler Shakespeare em quadrinhos, porém, não me fez ter curiosidade de ler o original. Fui ler muito tempo depois Hamlet e Macbeth por outros motivos. Meu livro de quadrinhos shakespearianos era tão bonito que ele bastava. Não sei até que ponto transformar livros importantes em história em quadrinhos faz com que a criança se interesse em ler o livro original. Com algumas isso pode ocorrer, com outras, não. A história em quadrinhos adaptada de livros, quando é benfeita, isto é, quando mostra um casamento harmônico entre texto e desenho, não precisa servir de meio para estimular a leitura do original. Se ela estimular tal leitura, ótimo. Mas se estimular a leitura de outros quadrinhos, ótimo também.

Digo isso porque há algum tempo foi lançada uma elogiada adaptação dos primeiros volumes do Em busca do tempo perdido para quadrinhos. Para os proustianos puristas, uma profanação. Mas para quem estar a fim conhecer – mesmo que superficialmente – um dos textos mais aclamados da literatura mundial e acha, equivocadamente, que ler os 7 volumes é que é perder tempo, os quadrinhos são uma solução. Mas isso não faz do indivíduo um proustiano. Para ser um entendedor de Proust, há que se comer muito arroz com feijão, digo, muitas madeleines. A transposição do livro para os quadrinhos foi trabalhosa; prova disso é que o responsável por ela, Stéphane Heuet, demorou três anos e meio para concluir o primeiro livro.

Na esteira da adaptação de Proust, temos agora a chance de ler diversos clássicos da literatura mundial em quadrinhos, tais como Drácula, Frankenstein, O médico e o monstro, Os três mosqueteiros, O homem da máscara de ferro e Macbeth.

Se tais adaptações incentivam ou não à leitura do original não importa. Nada impede, porém, que se trabalhe em sala de aula como ambas as fontes. Fiz isso ao estudar o mito da caverna, de Platão. Para não ficarmos apenas no texto do filosofo, usei também a adaptação para quadrinhos feita por Maurício de Souza, intitulada As sombras da vida, que tem semelhanças e diferenças em relação à alegoria criada pelo discípulo de Sócrates. Tais elementos foram trabalhados pelos alunos, que conseguiram observar coisas que eu nem de longe havia imaginado. A intimidade com os desenhos de Maurício de Souza fez com que se apropriassem dos quadrinhos e entendessem perfeitamente o texto de Platão.

Por isso, deixemos de lado a polêmica quanto à utilização dos quadrinhos como estímulo à leitura. Seja gibi, seja livro, o importante é despertar nas crianças e nos jovens o prazer pela leitura.

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