sexta-feira, 30 de julho de 2010

Leituras e prazer na escola

Como horas na biblioteca podem fazer a diferença na vida do aluno

por Galeno Amorim*

Passar uma hora inteira, ao menos uma vez por semana, dentro de uma biblioteca folheando e lendo livros, ou simplesmente de papo pro ar, é tão fundamental para o desenvolvimento dos alunos que deveria fazer parte da grade curricular das escolas. A ideia, que ainda arrepia muita gente, ganha, no entanto, cada vez mais adeptos. E também o apoio, dentro e fora dos estabelecimentos de ensino, de especialistas e de gente importante do mundo dos livros e da educação, mas também de pais, gestores de projetos e, naturalmente, educadores.

Mas a verdade é que não é tão simples assim. A inclusão de pelo menos uma hora semanal na grade das escolas do Ensino Médio e Fundamental consta até da Lei do Livro, assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003. Mas, em função das controvérsias em torno do assunto, até hoje a legislação não foi regulamentada.

Há quem diga, por exemplo, que não se pode estipular uma hora única e obrigatória para ler. Isto porque, de acordo com esses argumentos, os livros devem estar presentes durante todo o período escolar e em todas as disciplinas, e não haver uma só matéria para a leitura. Na essência, está absolutamente correto. Só que na vida real não é bem assim que as coisas acontecem.

Os defensores da criação de um espaço permanente no horário escolar para aproximar livros e possíveis leitores e fomentar o hábito e, sobretudo, o gosto e o prazer de ler, pensam diferente. Não se trata, de acordo com esses, de abrir uma nova e única disciplina para confinar e concentrar ali tudo o que for leitura na vida de uma escola.

Mesmo porque, concordam, os livros são fundamentais em qualquer projeto pedagógico e caminho poderoso para a apropriação do conhecimento acumulado pela humanidade. Assim, estão, evidentemente, presentes em todas as disciplinas.

A grande preocupação desses adeptos de maior presença da leitura de literatura na educação brasileira é que, por ausência de políticas mais claras nesse sentido, milhares de escolas brasileiras ainda mantém suas portas fechadas para os livros em geral. A única exceção, naturalmente, fica por conta dos livros didáticos, que são distribuídos gratuitamente pelo governo e costumam ancorar os projetos pedagógicos e as próprias aulas nas diferentes redes de ensino.

Porém, aprender a ler e a gostar de ler livros – ou, no mínimo, tornar essa prática um hábito permanente – continua passando ao largo de boa parte das nossas escolas.

Isso talvez ajude a compreender o atual comportamento da população brasileira, que, com o passar dos anos, simplesmente foge dos livros. Segundo a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, os maiores índices de leitura estão justamente entre crianças e jovens em idade escolar. Chegam a ser três ou quatro vezes maiores do que na fase adulta, assim como a frequência às bibliotecas, que despenca, até praticamente inexistir, acima dos 30 anos. Este é o caso de nove entre cada dez brasileiros, que deixaram de ir a alguma delas.

Esse mesmo estudo – uma iniciativa do Instituto Pró-Livro e coordenado pelo Observatório do Livro e da Leitura – mostrou, ainda, que os leitores que estão nas escolas chegam a ler duas vezes mais do que aqueles que já saíram de lá. O que mostra que as escolas estão, de certa forma, cumprindo o papel de facilitar o acesso de parte da população aos livros e o de fomentar a leitura entre seus alunos. E, surpresa: enquanto leem, esses leitores acabam associando o ato de ler muito mais a prazer do que propriamente à obrigação, como o senso comum costuma dizer.

Qual é, então, o problema?
Ao mesmo tempo em que tem contribuído, verdadeiramente, para aumentar os índices nacionais de leitura – os brasileiros liam, no início da década, 1,8 livro por habitante/ano, número que saltou para 4,7 em 2008 – a educação brasileira ainda não consegue enfrentar um dilema. Um dilema, por sinal, muito simples e direto, porém de respostas aparentemente nada fáceis: como as escolas, afinal, podem formar leitores que gostem de ler e façam isso pela vida afora, mesmo quando estiverem distantes delas?

Com ou sem obrigação legal, a verdade é que muitas escolas estão, de fato, tentando. E toda diferença, nos mais diversos casos, tem sido feita por uma pequena legião de educadores que acreditam pra valer no valor social da leitura e mesmo nos livros como ferramentas eficazes para seu trabalho na sala de aula e na vida futura de seus alunos.

Não por outra razão, estão sempre animados e dispostos a criar ações simples, porém ousadas, para mudar o quadro atual. E – ainda bem! – eles estão por toda parte. Por sinal, tenho visto muitos deles tanto no site que mantenho sobre esse tema – o http://www.blogdogaleno.com.br/, cuja revista eletrônica é enviada, semanalmente, para 80 mil educadores, escritores, jornalistas, editores, livreiros, bibliotecários e outros interessados no assunto – e em todas as regiões do país onde tenho feito palestras em escolas sobre o poder extraordinariamente transformador da leitura na sociedade.

Sempre com muita criatividade e o esforço pessoal dos professores e dirigentes, um bom número de escolas vem inventando, nos quatro cantos do país, variadas formas para ampliar o acesso aos livros e outros materiais de leitura e, sobretudo, para que esses leitores – no mínimo, leitores em potencial – se sintam estimulados e com vontade de ler. O próximo passo, quem sabe, pode ser aprenderem a gostar de ler – é isso fica pra vida toda.

Em Sinop, no interior do Mato Grosso, por exemplo, uma escola estadual do Ensino Médio motivou a comunidade escolar com uma medida aparentemente simples, e que não exigiu nenhum investimento suplementar. Uma vez por semana, ela simplesmente interrompe as aulas e demais atividades para que todo mundo leia.

Não importa o que estejam fazendo: todo mundo para e, por instantes, entra no mundo mágico da leitura. Para uns, é um mergulho inicialmente raso, para outros, às vezes mais profundo – mesmo porque cada um encontra-se em um estágio e muitos ainda nem aprenderam a nadar.

Sejam professores ou alunos, funcionários ou mesmo pais e outras pessoas que estiverem por lá. Vale tudo: todo e qualquer gênero da literatura, e revistas, jornais, gibis... Seja lá o que for. O que importa, afinal, é ler. Ainda que alguns torçam o nariz, dar os primeiros passos nessa direção é algo sempre muito bem-vindo.

O que se diz por lá é que tudo ficou melhor: o desempenho escolar, a autoestima dos estudantes, funcionários e professores e as próprias relações pessoais entre eles. Até a leitura fora da escola teria evoluído. Ao que parece, as pessoas entenderam a mensagem: que ler é mesmo um valor, e tanto é assim que a escola inteira até para tudo por causa disso.

Os depoimentos que tenho ouvido em outras cidades sobre esse tipo de experiência são igualmente positivos. É bem verdade que os livros de literatura disponíveis nas escolas ainda são insuficientes. Ou que para cada escola que possui uma biblioteca escolar, há outras duas que não têm nada disso – isto vai ser objeto de uma outra conversa, para tratar, de forma específica, da necessidade de uma vigorosa e urgente política nacional de bibliotecas públicas, sejam elas municipais, estaduais, escolares, universitárias ou comunitárias.

Afinal, a leitura tem papel fundamental na formação do ser humano. A capacidade de ler, compreender e processar as informações de um texto é adquirida de uma maneira: lendo. Proporcionar o aprendizado dessa atividade com prazer depende de todos nós – começa na família, em casa (as mães, por sinal, são vistas pelas crianças como aquelas pessoas que mais influenciam no gosto de ler). O resultado de todos os esforços e investimentos será, com toda certeza, uma sociedade de cidadãos plenos.

Com a implantação do Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL), do governo federal, em 2006, passou a existir maior articulação entre Ministério da Cultura e Ministério da Educação para fortalecer as políticas públicas nos estados e municípios para investir mais na formação de leitores e, para tanto, na formação dos chamados agentes mediadores de leitura: professores, bibliotecários, gestores de projetos de leitura. Afinal, quem não gosta de ler, dificilmente conseguirá fazer alguma outra pessoa gostar.

Esta década talvez entre para a história como aquela em que, até hoje, mais se avançou no sentido de tornar esse tema uma política de estado no Brasil. Agora, no entanto, é preciso avançar mais, para que nos estados e municípios exista uma maior percepção por parte de autoridades e lideranças políticas e comunitárias sobre a função social e estratégica dos livros na sociedade. E que podem fazer um grande bem para suas cidades e estados e para seus próprios governos.

Os livros já foram, um dia, objeto sagrado cujo acesso era permitido a poucos. Mais tarde, passou a ser tratado como fonte de prazer e lazer de qualidade. Sem perder uma e outra condição, a verdade é que a leitura também é um meio eficaz para o desenvolvimento pessoal e profissional do indivíduo e para ampliar sua visão de mundo e suas possibilidades de intervenção no lugar em que vive. Mas também para melhorar seu emprego e renda.

Dessa forma, tem um novo e importante papel na educação e na sociedade de forma geral, algo que nunca foi muito claro na cabeça das pessoas. Se houve um tempo em que, na economia primitiva, a água e, mais tarde, o petróleo, na era da industrialização, possuíam importância estratégica para as nações, hoje é o conhecimento que faz toda a diferença. É o conhecimento que se constrói com as várias leituras: dos livros, jornais e das diferentes estéticas culturais, com o tempero e fermento das vivências e experiências do cotidiano.

Os livros fazem toda a diferença!

*Galeno Amorim (http://www.blogdogaleno.com.br/) é diretor do Observatório do Livro e da Leitura e foi o criador e primeiro coordenador do Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL). É autor de 12 livros, entre os quais Retratos da Leitura no Brasil.

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