sábado, 20 de março de 2010

O mundo em quadrinhos

Gênero popular entre crianças e jovens – e paixão de muitos adultos –, as HQs vêm conquistando cada vez mais espaço entre os leitores brasileiro

Asterix, Batman, Cebolinha, Diomedes, Elektra, Frajola, Graúna, Haroldo... O abecedário dos personagens das histórias em quadrinhos dá a dimensão da versatilidade dessa que é considerada uma forma de arte por seus adeptos. São tantas as possibilidades de criação de imagens, traços e idéias, que a história da HQ anda lado a lado com a da tecnologia e da ideologia. A trajetória dos quadrinhos no Brasil começou a engatinhar no século 19 e teve seu primeiro boom na primeira metade do século 20 (veja boxe Era uma vez...). Idolatrados por crianças e adolescentes, os quadrinhos foram por muito tempo tachados como produtos de segunda. Mauricio de Sousa, criador da Turma da Mônica, começou a publicar suas tiras em 1959, “na base da ignorância”, como diz. “Eu ignorei quando diziam que não ia dar certo, que quadrinho dava preguiça mental, que fazia a criança não ler”, conta. “Hoje temos pesquisas sérias que dizem que as crianças que lêem quadrinhos têm melhor desenvolvimento do que as que não lêem.” No fim dos anos de 1960, em plena ditadura militar, Mauricio de Sousa já publicava suas tiras em cerca de 300 veículos, de onde migrou para as revistas próprias, hoje vendidas no mundo inteiro. Com o fim da ditadura e da censura, os quadrinistas ganharam mais liberdade, embora muitos reclamem de um excesso de “politicamente correto” exigido nas publicações. “Todos sofremos um pouco da influência do politicamente correto, para bem ou para mal”, diz Mauricio de Sousa. “Mas eu concordo com algumas coisas. Por exemplo, que numa história endereçada para crianças, o Cebolinha não piche mais os muros. A Mônica quando estava com raiva arrancava árvores do chão, e o Chico Bento aparecia com um machado para cortar lenha. Hoje estamos preocupados com a conservação do meio ambiente.” O pai da Mônica conta também que antes sua “filha” aparecia batendo no travesso Cebolinha, mas que hoje restaram só os “socs”, “tuns” e pofs”. “Ou seja, só as onomatopéias e a poeira levantando”, afirma Mauricio. “Porque eu não quero mais mostrar esse tipo de agressão. Quer dizer, não é só a influência do politicamente correto, nós mudamos também”, sentencia o quadrinista, que completará 50 anos de atividade em 2009.


Para maiores


A concorrência gerada pelas novas tecnologias de comunicação e meios de entretenimento, especialmente a televisão, afetou a demanda por quadrinhos. Segundo Waldomiro Vergueiro, professor e coordenador do Núcleo de Pesquisas de Histórias em Quadrinhos da Universidade de São Paulo (USP), a realidade atual das HQs é a aposta na diversificação de públicos e produtos. “Só no ano passado, foram mais de 1.300 títulos lançados e com uma variedade jamais vista no Brasil”, explica. “Com destaque para novas produções no estilo underground, reedição em coletâneas e quadrinização de obras literárias.” Hoje, existem quadrinhos para crianças, jovens e adultos, com temas que vão dos super-heróis à política, do surreal à crítica social. “Os quadrinhos são espaço livre para experiências, e, passada a adolescência, os leitores buscam produtos com maior profundidade narrativa, que tratem de temas mais ousados e incluam aspectos eróticos e realistas da vida social, como acontece em várias graphic novels [como são chamadas as HQs em inglês] e mangás [estilo japonês de quadrinhos]”, afirma Vergueiro.

Segundo José Alberto Lovetro, mais conhecido como Jal, quadrinista na ativa há 35 anos e criador do Troféu HQMix (veja boxe E o prêmio vai para...), o maior mercado do mundo de quadrinhos é o japonês, no qual um único título semanal chega a vender de 5 a 8 milhões de exemplares – o que faz do quadrinho uma mídia tão forte quanto a televisão. Já o Brasil, ainda segundo Jal, tem um potencial muito grande. “Nós temos os melhores desenhistas do mundo, e muitos publicando para fora do Brasil. O Ivan Reis é um que desenha para os Estados Unidos e ganhou, no ano passado, o prêmio de melhor desenhista norte-americano, embora seja brasileiro e more aqui em São Bernardo”, revela o quadrinista.
No Brasil, os já consagrados Angeli, Laerte, Glauco, Adão Iturrusgarai e Fernando Gonsales dão continuidade à herança de Henfil na crítica de costumes, crônica de experiências pessoais, humor irreverente e exploração de temáticas sexuais por meio dos quadrinhos. Por outro lado, uma nova geração de artistas começa a incorporar outras referências e experimentar linguagens. Um exemplo são os gêmeos Fábio Moon e Gabriel Bá, que há uma década publicam a série 10 Pãezinhos. As histórias são sobre amizades, amores e ilusões, recheadas de autobiografia e metalinguagem. Os gêmeos e seu traço característico são conhecidos também por sua versatilidade. Além dos personagens próprios, a dupla já quadrinizou a obra O Alienista, de Machado de Assis, e Rock’n’Roll, com Bruno D’Angelo e Kako, duas outras novas caras do quadrinho nacional.

Na mesma linha underground, mas com uma temática mais densa, Lourenço Mutarelli tem uma galeria de personagens tomados pela depressão urbana. O criador de O Dobro de Cinco, Transubstanciação, Mundo Pet e O Cheiro do Ralo – levado às telas em filme homônimo de 2007 dirigido por Heitor Dhalia – é muitas vezes personagem de suas histórias. Para Mutarelli, criar “é catarse, exumação de fantasmas interiores”. Tudo por meio de um realismo fantástico, grotesco, instável e trágico. Para o quadrinista Jal, mesmo com o fim de algumas séries, a HQ adulta “está em efervescência”. Por outro lado, ainda falta incentivo. “Embora pequenas editoras estejam investindo, ainda falta acreditar nos nossos novos artistas”, conclui.

Saiba mais:
http://www.terra.com.br/jovem/
http://www.portaldarte.com.br/


Era uma vez...

As primeiras páginas da história da HQ no Brasil
 
A história em quadrinho no Brasil começa em 1869 com As Aventuras de Nhô Quim, de Ângelo Agostini, considerado o precursor da linguagem gráfica seqüencial no país. Embora se possa pensar que os quadrinhos começaram direcionados para o público infantil, esse primeiro personagem era um caipira que viajava à capital do Império e entrava em conflito com os costumes urbanos. Mas essa história toma forma mesmo no início do século 20:


Anos 1900

O Tico-Tico é a primeira revista infantil brasileira a publicar histórias em quadrinhos, e reinou sozinha por vários anos. A maioria dos personagens e tramas, porém, são reproduções de originais estrangeiros.


Anos 1930
O jornalista Adolfo Aizen começa a publicar o Suplemento Juvenil, como era o modelo norte-americano. Para concorrer com ele, Roberto Marinho lançou o Globo Juvenil. No entanto, os personagens ainda eram importados, como os norte-americanos Flash Gordon, Mandrake, Tarzan, Popeye e Mickey.

Anos 1940

Lançamento da revista Gibi, nome que virou sinônimo de revista em quadrinhos aqui no Brasil. Entre as HQs apresentadas, ainda estão os gringos – Ferdinando, de Al Capp, e Barney Baxter, de Frank Miller –, mas Adolfo Aizen pela primeira vez investe na quadrinização de romances clássicos brasileiros.




Anos 1950

O time brasileiro dos quadrinhos entra em campo. São os adultos O Amigo da Onça (desenho), de Péricles Maranhão, e o Pererê, de Ziraldo, com mensagens ecológicas. Carlos Zéfiro corre por fora, desenvolvendo e vendendo seus, hoje clássicos, quadrinhos eróticos clandestinamente.

 
 
 
Anos 1960

Mauricio de Sousa começa a publicar as tirinhas do que viria a se tornar a Turma da Mônica, grande sucesso editorial no Brasil e no exterior, e Ziraldo lança seu “gibi” mais famoso: o Pererê (desenho).






Anos 1970

A censura do período militar não poupa os quadrinhos, que ficaram mais restritos, dispersos e sem regularidade. De qualquer forma, publicações como O Pasquim, com suas tiras sociais de Jaguar e de Henfil, criador da Graúna e dos Fradinhos (desenho), conseguem driblar a tesoura da ditadura. Na mesma época, o fanzine O Balão, criado por Laerte e Luiz Gê, revela autores consagrados até hoje, como os irmãos Paulo e Chico Caruso, e ainda Kiko e Angeli.

Anos 1980

Com a redemocratização, a imprensa abre espaço para os quadrinhos de Laerte, com os Piratas do Tietê (desenho), Angeli, com Chiclete com Banana, Glauco, com Geraldão, Chico e Paulo Caruso, com Avenida Brasil e Fernando Gonsales, com Níquel Náusea. Laerte, Angeli e Glauco criam ainda a célebre Los Três Amigos, HQ que satiriza, por meio de temas brasileiros, o clima western dos Estados Unidos.




Anos 1990/2000

A editora Devir começa a publicar quadrinhos importados e a investir em novos autores brasileiros, como Lourenço Mutarelli e os gêmeos Fábio Moon e Gabriel Bá (desenho), para serem vendidos em livrarias. Saindo da segregação das bancas de jornal, os quadrinhos ganham novo impulso.

E o prêmio vai para...

Já na sua 20ª edição, o HQMix premiou os melhores do mundo dos quadrinhos




 
 
 
 
 
Na onda dos quadrinhos, o Sesc Pompéia sediou, em julho, o 20º Troféu HQMix, premiação reconhecida internacionalmente. Apresentado pelo televisivo Serginho Groisman, o evento foi realizado no 23 de julho e presidido pela professora e escritora Sonia Bibe Luyten. A votação foi feita em maio baseada nas indicações da comissão de organização formada pela Associação dos Cartunistas do Brasil (ACB) e pelo Instituto Memorial das Artes Gráficas do Brasil (Imag). Foram cerca de 1.200 profissionais da área que votaram nas mais de 40 categorias, sendo as principais as de desenhistas e roteiristas. A cada ano, novas categorias surgem, mostrando a efervescência do mercado brasileiro de quadrinhos.


Aproveitando o mote, a unidade incrementou sua programação de julho com o HQ Férias. Foram várias atividades gratuitas, incluindo a exposição A História dos Quadrinhos no Brasil, recriada por Gualberto Costa, o Gual, e José Alberto Lovetro, o Jal, criadores do HQMix. Aconteceram também apresentações de peças de teatro, que se misturaram com a linguagem dos quadrinhos, e o Cine Teatro HQ, uma mostra de animação com vários curtas e longas-metragens. “Os ingressos esgotaram”, conta Lúcia Lopes, técnica do Sesc Pompéia. “Fez sucesso também a grande área de interação que a gente fez para as crianças desenharem, brincarem e descobrirem a linguagem do HQ.”

No Sesc Ipiranga o quadrinho aparece para lembrar um dos maiores compositores da história contemporânea da MPB. Como parte das atividades do projeto Cazuza – O Tempo Não Pára, em cartaz até 31 de agosto, que mistura música, cinema e poesia, aposta na versatilidade da HQ para homenagear os 50 anos de nascimento do poeta e vocalista ícone dos anos de 1980. “Nós queríamos fazer algo original, jovial e que pudesse ser colocado na voz do Cazuza, incorporando o que ele pensava das coisas, suas tristezas e alegrias”, diz Suzana Garcia, técnica da unidade e idealizadora do projeto. A partir dessa idéia e baseada em depoimentos do próprio compositor compilados pelo produtor Ezequiel Neves, grande amigo de Cazuza, o coletivo O Contínuo desenvolveu uma HQ com os pensamentos e memórias do cantor. São frases sobre a vida, a família, a música e a política do complicado contexto social que o país atravessava nos loucos anos de 1980. Os desenhos são de Alcimar Frazã e o roteiro de Pedro Felício e Dalton Correa. “Eu sou fã do Cazuza e nós d’O Contínuo sempre tivemos uma predileção por misturar música e quadrinhos”, diz Pedro Felício. “Passamos dois meses fazendo uma pesquisa de imagens dele e de suas referências, e encontramos soluções muito legais de como colocar tudo aquilo em desenho.”

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