segunda-feira, 22 de março de 2010

Janelas para a cultura

Atividades de incentivo à leitura têm se encarregado de promover, ou recuperar, a relação entre o leitor e o livro

As pesquisas que abordam os hábitos de leitura de diferentes países - o que e quanto seu povo lê - podem gerar pouco entusiasmo quando o assunto é o desempenho do Brasil comparado ao de outras nações. Segundo levantamento realizado pela Associação Brasileira de Editores de Livros (Abrelivros), em 2001, um terço da população aprecia a leitura, mas cada pessoa lê, em média, menos de dois livros por ano. O que é muito pouco, se levarmos em conta o panorama da França, em que esse número pula para sete, e dos Estados Unidos, onde a média anual são cinco livros.

A constatação numérica não pode ser negada, mas também é fato que esses países se encontram em condições de desenvolvimento bem diferentes. Diante desse quadro, é possível destacar várias razões para o baixo índice de leitura do brasileiro. Um delas é o fato de o livro ser um bem de consumo caro no país. Além disso, quando se fala em gosto pela leitura (ou a falta dele), há ainda muito daquela imagem da biblioteca como um lugar hostil, inacessível e sempre guardado por uma pessoa com o dedo em riste junto à boca pedindo silêncio: o famoso "shhhhhh". Como se pode ver, a questão é complexa. "Em primeiro lugar existe uma repartição sociocultural clara no nosso país, a estratificação brasileira é dramática", explica o professor Edmir Perrotti, do curso de Informação e Educação, da Escola de Comunicações e Artes (ECA), da Universidade de São Paulo (USP). "Outra razão é que nós, como sociedade, temos um passado colonial que baniu sistematicamente a escrita. Soma-se a isso um sistema de ensino que até recentemente era muito fechado." Perrotti segue explicando que, mesmo com a abertura da escola para um número maior de pessoas, o problema da falta de acessibilidade à leitura - fator importante para o surgimento do interesse por ela - não foi solucionado. "Quando a escola se tornou massificada, ficou difícil manter as condições necessárias para cultivar a leitura", afirma. "Muitos alunos da 8ª série não sabem ler ou escrever." Além disso, outros obstáculos fora da sala de aula ajudam a embaralhar as letras. "Existem poucas bibliotecas e livrarias que distribuam o conhecimento. Seria fundamental que houvesse instituições para dar acesso e manter o interesse pela leitura. Cultura demanda um trabalho de apropriação simbólica. Não adianta só colocar livreiro à disposição."
Baús de livros e leitura nos parques

Os passos para reverter essa situação ainda não são tão largos como se deseja. O pessimista enxerga algumas iniciativas pontuais de incentivo à leitura - promovidas por bibliotecas e outras instituições culturais - como um copo meio vazio. Mas para quem está disposto a ver o copo meio cheio, há notícias animadoras. São alguns exemplos: a programação da Biblioteca Alceu Amoroso Lima, em Pinheiros; o projeto Bosque da Leitura, coordenado pelo Sistema Municipal de Bibliotecas; e as atividades especiais de algumas unidades do Sesc.

Inaugurada em dezembro de 1979, a Biblioteca Alceu Amoroso Lima conta com um acervo de 27 mil títulos. Após receber uma doação de aproximadamente 600 livros de poesia, em setembro deste ano, ela criou uma programação especial para divulgar as novas aquisições. A série Encontros de Proesia reúne mensalmente um poeta e um prosador - daí o trocadilho do título - para um debate com quaisquer interessados. Já participaram dos bate-papos os escritores Nelson de Oliveira e Marcelino Freire e os poetas Ademir Assunção e Virna Teixeira. Outra iniciativa da biblioteca é o Festival de Cine Poesia, no qual são mostrados filmes baseados na temática da poesia.

O projeto Bosque da Leitura foi implantado inicialmente no Parque do Ibirapuera, em 1993, com o objetivo de proporcionar aos freqüentadores o acesso a jornais, revistas, gibis e livros de gêneros variados. Atualmente outros três parques municipais recebem o projeto e funcionam como bibliotecas a céu aberto: o Parque do Piqueri e o Parque do Carmo, ambos na Zona Leste de São Paulo, e o Parque da Luz, na região central. Há ainda outras atividades. São encontros com escritores, apresentações e saraus, e a resposta do público tem sido positiva. No ano passado, houve 28 mil empréstimos de livros no Parque do Ibirapuera e 14 mil no Parque do Piqueri.

Nas unidades do Sesc, alguns programas especiais se encarregam de levar o livro aonde o potencial leitor está. Isso sem contar os espaços de leitura, que colocam à disposição do público jornais, revistas e outras obras, e promovem oficinas de criação literária e atividades temáticas (veja boxe Para ler mais). No Sesc Carmo, o Baú de Letras amplia o atendimento da biblioteca da unidade, que conta com um acervo de 8 mil títulos, estendendo-o ao departamento de recursos humanos de empresas do comércio. Durante dois meses, uma estante de madeira com cerca de 100 livros fica à disposição dos funcionários, e o controle e cuidado com as publicações são de responsabilidade das empresas. O objetivo é incentivar o hábito de ler e amenizar os motivos que afastam o público das bibliotecas. Entre as razões destacadas por leitores para não freqüentar esses espaços estão a distância e a falta de tempo. Esta última parece ser a maior dificuldade para mergulhar no universo dos livros. De acordo com a pesquisa realizada pela Abrelivros, citada no início do texto, a falta de tempo foi eleita a principal barreira à leitura - justificativa para 39% dos entrevistados. O Sesc Carmo envia também funcionários de sua biblioteca para treinamento das pessoas que solicitam o baú. Fica a cargo das empresas divulgar com antecedência a relação de livros que serão emprestados, matricular os usuários e atualizar constantemente as fichas de controle dos empréstimos.
Outra iniciativa do Sesc é a Banca Ambulante, realizada na unidade Vila Mariana. Nesse programa, cerca de 60 títulos infanto-juvenis ficam disponíveis numa banca móvel que percorre todo o térreo da unidade. Tapetes coloridos e almofadas ambientam o local escolhido, criando um espaço que estimula a integração - entre os jovens e também entre pais e filhos - nos momentos de leitura.


Hábito saudável

Educadores explicam por que a leitura é importante e pode ser tão prazerosa

A educadora Glória Maria Cordovani, professora do ensino médio e do Programa de Educação de Jovens e Adultos (EJA), cita o escritor e cartunista Millôr Fernandes para ressaltar o valor da leitura: "Deve-se ler até o avesso da passagem de avião e de ônibus para conhecermos nossos direitos". De fato, esse é um caminho decisivo para o indivíduo expressar e reconhecer sua cultura, e também entender diferentes hábitos e costumes. No entanto, o ato de ler é um exercício, e como tal, para que os efeitos sejam duradouros, deve ter continuidade. É a apuração do conhecimento adquirido que leva à quebra de fronteiras e à capacidade de entender bem mais do que o texto escrito atrás da passagem de avião. "A leitura é indispensável em qualquer momento da vida, tempo e lugar", afirma Glória Maria. "O tempo da leitura precisa ser introduzido na vida das pessoas. Elas precisam aprender que se trata de um ganho, seja por via do best-seller, seja por onde for. Quando estive no Chile, vi bibliotecas dentro dos parques. Aqui no Parque do Ibirapuera também há, mas esse movimento precisa crescer." Segundo a educadora, é só lendo cada vez mais que uma pessoa, seja adulto, seja criança, passa a contar com instrumentos para selecionar bons títulos em meio ao universo de livros disponíveis hoje. "Acho que uma coisa não elimina a outra, e o best-seller, de algum modo, tem o efeito educativo de manter o indivíduo preso àquela leitura por um determinado número de horas", afirma a educadora. "Se um garoto leu um livro do Harry Potter [série da escritora inglesa J.K. Rowling cujos volumes chegam a ter 700 páginas], que tem um marketing assustador, ele não será preguiçoso para abrir outros livros que lhe forem indicados, embora possam não ter o mesmo espírito de aventura." O professor Edmir Perrotti, do curso de Informação e Educação, da Escola de Comunicações e Artes (ECA), da Universidade de São Paulo (USP), conclui dizendo que a importância da leitura está também na capacitação do indivíduo para estabelecer vínculos num mundo cada vez mais letrado. "Em sociedades que não usam a escrita, isso [ter o hábito da leitura] não seria tão bom ou importante", afirma. "No entanto, para participar de um mundo como o nosso, onde a escrita é tão valorizada, ler se torna fundamental."


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